A história da estátua censuradaapostas de dinheiroSão Paulo por mostrar um beijo inter-racial:apostas de dinheiro

apostas de dinheiro Ela tem uma históriaapostas de dinheirovida inusitada para uma estátua.

Mas é difícil saber o motivo olhando para ela agora,apostas de dinheirouma tarde ensolaradaapostas de dinheiroquinta-feira no centroapostas de dinheiroSão Paulo. Não existe qualquer placa explicativa sobre aquele beijo. Ou o que ela enfrentou para estar ali: a censura, o discursoapostas de dinheiroum político indignado, abaixo-assinadoapostas de dinheiromoradores, fúria e preconceitoapostas de dinheiroparte da imprensa paulistana.

Enquanto os alunos da tradicional Faculdadeapostas de dinheiroDireito da USP, conhecida como Largo São Francisco, entram no prédio para assistir às aulas, o monumento O Beijo Eterno na entrada parece apenas o que éapostas de dinheirofato: uma estátuaapostas de dinheirobronze com um homem e uma mulher, nus, beijando-se.

Considerada "imoral" nos anos 1960, ela chegou a ser retirada do espaço público algumas vezes, porque representava um "acinte ao decoro e aos bons costumes do paulistano".

Uma história parecida ocorreu décadas depois, no inícioapostas de dinheirosetembro deste ano, quando a representação artísticaapostas de dinheirooutro beijo, dessa vez, entre dois personagens gaysapostas de dinheirouma históriaapostas de dinheiroquadrinhos, sofreu uma tentativaapostas de dinheirocensura por parte do prefeito do Rioapostas de dinheiroJaneiro, Marcelo Crivella (PRB).

O político e ex-pastor evangélico considerou a cena "inadequada" para menoresapostas de dinheiroidade e tentou retirar a obra da Bienal do Livro, embora a lei não diga que um beijo, hétero ou homossexual, seja inapropriado para crianças e adolescente.

Porém, a censura ao livro foi proibida por uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Tofolli — que, coincidentemente, formou-seapostas de dinheiroDireito no Largo São Francisco, onde atualmente se encontra O Beijo Eterno.

A históriaapostas de dinheiroum beijo

A estátua foi criadaapostas de dinheiro1922 como parteapostas de dinheiroum grande monumentoapostas de dinheirohomenagem a Olavo Bilac (1865–1918), poeta parnasiano bastante popular no início do século 20.

Antesapostas de dinheiromorrer, o escritor havia se tornado um ídolo dos estudantes do Largo São Francisco. Embora nunca tenha se matriculado no cursoapostas de dinheiroDireito, chegou a frequentar algumas aulas na faculdade por dois ou três anos.

Além da literatura, ele ganhou fama entre universitários por um motivo político, segundo Heloisa Barbuy, professoraapostas de dinheiromuseologia da USP e autora do livro As Estátuas da Faculdadeapostas de dinheiroDireito (Ateliê Editorial).

"Na faculdade, ele ficou famoso por ser um dos principais líderes do movimento nacionalista, que, na época da Primeira Guerra Mundial, teve bastante importância no país", explica Barbuy. "Em 1915, Bilac chegou a fazer um discurso na faculdade que ficou muito famoso, emocionando as pessoas. Décadas depois, os estudantes ainda citavamapostas de dinheirocor parte desse texto."

Quando Bilac morreu,apostas de dinheiro1918, um grupoapostas de dinheiroestudantes quis homenagear o poeta com um monumento público. Para isso, fizeram um financiamento coletivo para bancar o projeto, um conjuntoapostas de dinheirooito figuras: entre elas, Pátria e Família e O Caçadorapostas de dinheiroEsmeraldas. Já O Beijo Eterno é uma representaçãoapostas de dinheiroum poema homônimoapostas de dinheiroBilac.

O trabalho foi dado ao escultor sueco William Zadig. Na última hora, entretanto, faltou dinheiro para completar as estátuas, mas os alunos da Faculdadeapostas de dinheiroDireito foram socorridos pelo então presidente da Liga Nacionalista, Frederico Vergueiro Steidel. A entidade "passou o chapéu" no comércio paulistano eapostas de dinheiroredaçõesapostas de dinheirojornais para arrecadar o valor que faltava.

O enorme monumento foi inaugurado na confluência das avenidas Paulista, Consolação e Angélicaapostas de dinheiro7apostas de dinheirosetembroapostas de dinheiro1922, para coincidir com o centenário da Independência do Brasil.

"Inicialmente, a obra foi muito elogiada nos jornais. Mas, depoisapostas de dinheiroalguns meses, começaram as críticas", diz Heloisa Barbuy. "Uma das publicações da época, A Gazeta, criou uma campanha contra o monumento e pediu inclusiveapostas de dinheirodemolição, dizendo que ele não tinha qualidades estéticas."

Havia também reclamações pelo fatoapostas de dinheiroo escultor ser estrangeiro, embora Zadig já morasse no Brasil havia anos e fosse casado com uma brasileira. "Era um momentoapostas de dinheiroque o nacionalismo estavaapostas de dinheirotodas as discussões, inclusive na arte. Havia um sentimentoapostas de dinheirovalorizaçãoapostas de dinheiroaspectos nacionais. A Semanaapostas de dinheiroArte Modernaapostas de dinheiro1922 tinha acontecido havia poucos meses, reafirmando essa característica, mesmo que na época ela não tenha tido a importância que se dá hoje", diz Barbuy.

Por outro lado, o jornal A Gazeta afirmou que O Beijo Eterno não tinha qualquer relação com o famoso poemaapostas de dinheiroBilac, porque a estátua representava um encontro amoroso entre uma índia e um português, cena que não é citadaapostas de dinheironenhum dos 59 versos da poesia.

Essa foi a primeira vez que alguém interpretou a personagem feminina do monumento como uma índia — talvez pelo formatoapostas de dinheiroseu cabelo e por uma faixa ao redor da cabeça. O homem tinha característica caucasiana e, por isso, talvez tenha ganhado a alcunhaapostas de dinheiroeuropeu.

"Não se tem informaçãoapostas de dinheiroque o artista queria retratar um beijo inter-racial entre uma índia e um branco, mas foi assim que a obra ficou conhecida. E isso foi tratadoapostas de dinheiromaneira preconceituosa na imprensa. A Gazeta chamou a personagemapostas de dinheiro'bugre', uma palavra pejorativa para se referir aos indígenas", diz Barbuy.

Não há registrosapostas de dinheiroque, na décadaapostas de dinheiro1920, alguém tenha se escandalizado com o fatoapostas de dinheiroa dupla estar nua. Reclamações contra o "conteúdo sexual" só viriam décadas depois.

A historiadora Heloisa Barbuy acredita que a campanha contra o monumento a Bilac, nessa fase, tinha mais a ver com motivações políticas, que são muito difíceisapostas de dinheirocompreender agora, quase um século depois. "Era um momento conturbado, com a convergênciaapostas de dinheiromuitos grupos políticos. Talvez, essa campanha tenha ocorrido para atacar Frederico Vergueiro Steidel, presidente da Liga Nacionalista, que participou ativamente da confecção da obra".

O monumento foi finalmente desmontadoapostas de dinheiro1935, quando a prefeitura mudou o trânsito na região. Algumas das peças foram levadas para outros pontos da cidade.

Porapostas de dinheirovez, O Beijo Eterno foi pararapostas de dinheiroum depósito da prefeitura, onde permaneceu por muitos anos.

Até que apareceu Jânio Quadros.

Os bons costumes dos moradores do Cambuci

Provavelmente, quando assumiu o cargoapostas de dinheiroprefeitoapostas de dinheiroSão Pauloapostas de dinheiro1953, Jânio Quadros conhecia a históriaapostas de dinheiroO Beijo Eterno, pois ele também havia se formadoapostas de dinheiroDireito no Largo São Francisco, onde a estátua era célebre.

"Em 1956, ao ver a obra paradaapostas de dinheiroum depósito, Jânio decidiu levá-la para o Cambuci, bairro onde ele morava", conta Giselle Beiguelman, professora da Faculdadeapostas de dinheiroArquitetura e Urbanismo da USP e autora do livro Memória da amnésia: Políticasapostas de dinheiroesquecimento (Edições Sesc), lançado na semana passada.

Segundo uma reportagem do jornal O Estadoapostas de dinheiroS. Paulo na época, a prefeitura tinha instalado, anos antes, a imagem na entrada do colégio estadual Fernão Dias Paes,apostas de dinheiroPinheiros. Mas ela ficou na escola por um brevíssimo período, porque os pais dos estudantes se mobilizaram para retirá-la. Eles diziam que a figura era "imoral".

Já no Cambuci, boa parte dos moradores também não ficou nada contente com a presença da escultura. Foi organizado um longo abaixo-assinado para que a obra fosse removida imediatamente do bairro, alegando que ela atentava contra os bons costumes.

O então prefeito, que depois viraria presidente da República, não resistiu à pressão e retirou o monumento das ruas do Cambuci. Censurado, O Beijo Eterno voltou ao depósito da prefeitura, onde não podia ser visto pelo grande público.

Mas,apostas de dinheirofato, a estátua mostra muita coisa?

A resposta depende da épocaapostas de dinheiroque você vive.

O personagem masculino está ligeiramente curvado sobre a moça, com uma das mãos nas costas dela e outra mais abaixo, na cintura. Já a mulher se estica para alcançar a boca do amante, colocando o braço direito ao redor da cabeça dele, que, aliás, parece desproporcionalmente grandeapostas de dinheirorelação ao resto do corpo. Ambos estão nus, com seios, nádegas e pênis (não ereto) à mostra. A cena congeladaapostas de dinheirobronze poderia representar o momento anterior ao inícioapostas de dinheirouma relação sexual.

Hojeapostas de dinheirodia, nossa exposição a conteúdos eróticos e pornográficos é muito mais frequente, então a estátua não parece "nada demais", tanto que ela passa quase despercebida no calçadão que se estende à entrada da Faculdadeapostas de dinheiroDireito da USP. Ninguém para naapostas de dinheirofrente e diz, escandalizado: "que absurdo, temos aqui uma cenaapostas de dinheirosexo".

Mas nos anos 1950, década anterior à chamada revolução sexual, a pornografia ou cenas eróticas não eram tão acessíveis, menos ainda no espaço público. Então, para um morador do Cambuci daquela época, talvez O Beijo Eterno fosse "um pouco demais". Não que a história da arte não tenha há séculos milharesapostas de dinheiroquadros e monumentos com personagens nus, diga-se, mas é possível que eles chocassem menos estando dentroapostas de dinheiroum museu.

Para Beiguelman, não apenas a cena sexual causou rebuliço, mas o contexto dos personagens. "Na minha concepção, além dos corpos nus, tinha essa situaçãoapostas de dinheiroser um homem branco com uma indígena. Isso era um problema para os padrões morais da época, as pessoas consideravam um relacionamento como esse ofensivo e censurável. A cidade era mais preconceituosa, e as questõesapostas de dinheirogênero e raça eram mais veladas", diz.

A professora cita outras estátuas que passaram por processo semelhante,apostas de dinheiroperseguição e censura,apostas de dinheiroSão Paulo, mas nenhuma foi "tão polêmica" quanto O Beijo Eterno.

"Bem ao lado dela, no Largo Francisco, há o O Menino e o Catavento, que também foi removido uma vez porque ele está nu. Há também O Fauno, do (artista modernista) Victor Brecheret, que foi retiradoapostas de dinheirouma praça no Centro depois que algumas pessoas começaram a fazer um culto noturnoapostas de dinheirofrente à obra", explica.

"O Monumento a Garcia Lorca virou alvo do Comandoapostas de dinheiroCaça aos Comunistas, durante a ditadura militar, porque ele homenageava o poeta espanhol, que era comunista e homossexual".

O incrível retornoapostas de dinheiroO Beijo Eterno

Dez anos depois da censura no Cambuci,apostas de dinheiro1966, o então prefeito José Vicente Faria Lima decidiu instalar O Beijo Eterno na entrada do túnel da avenida 9apostas de dinheiroJulho, no centro da cidade. Mas houve nova resistência.

"Dizendo-se portadorapostas de dinheiromemorial assinado por senhoras residentes da 9apostas de dinheiroJulho, o sr. Antonio Sampaio, membro da Arena (partido da ditadura), solicitou a retirada da estátua. A solicitação foi feita por meioapostas de dinheiroum discurso na Câmara", escreveu o O Estadoapostas de dinheiroS.Pauloapostas de dinheiro8apostas de dinheirooutubroapostas de dinheiro1966. "Segundo o vereador, a estátua constitui um 'verdadeiro acinte ao decoro e aos bons costumes do paulistano'"

O Beijo Eterno então voltou a ser escondido no depósito, segundo o jornal. Mas, dessa vez, uma reviravolta selaria o destino da escultura: os estudantes da Faculdadeapostas de dinheiroDireito decidiram agir. Os jovens fretaram um caminhão, invadiram o espaço da prefeitura e furtaram a figuraapostas de dinheirobronzeapostas de dinheiro400 quilos.

Já o jornal Folhaapostas de dinheiroS.Paulo contou a históriaapostas de dinheirouma maneira um pouco diferente: segundo a publicação, a estátua não chegou a sair da entrada do túnel. Antesapostas de dinheiroir para o depósito municipal, ela foi resgatada pelos universitários.

Seja como for, momentos depois, ela foi instaladaapostas de dinheirofrente ao campus. Os alunos ainda fizeram uma ameaça: se a estátua fosse retirada do Largo São Francisco, iriam cobrir com panos todas as outras representaçõesapostas de dinheiropessoas nuas que houvesse na cidade.

"Os estudantes se sentiram no direitoapostas de dinheiropegar a estátua, porque ela é um patrimônio da faculdade. Foi Largo São Francisco que financiouapostas de dinheiroconstrução", diz José Carlos Madiaapostas de dinheiroSouza, presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdadeapostas de dinheiroDireito da USP.

Último verso

Depois do furto, O Beijo Eterno não saiu mais do calçadãoapostas de dinheirofrente à faculdade: passou incólume até pela ditadura militar, que tinha uma máquina ativaapostas de dinheirocensura à liberdadeapostas de dinheiroexpressão e artística.

Hoje, ela é só mais uma estátua no centroapostas de dinheiroSão Paulo, eapostas de dinheirohistória ficou nos livros e nos arquivosapostas de dinheirojornais. "Os estudantes passam por ela e nem sabem o que aconteceu. Mas isso é normal, o tempo passa e as pessoas se esquecem", diz Madiaapostas de dinheiroSouza.

Ao menos que haja outra reviravolta ou uma nova ondaapostas de dinheirocensura, os dois amantes ficarão expostos por ali, paralisadosapostas de dinheiroum beijo moldadoapostas de dinheirobronze para ser eterno, como queria o último verso do poemaapostas de dinheiroOlavo Bilac:

"Quero um beijo sem fim

Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!

Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!

Beija-me assim!

O ouvido fecha ao rumor

Do mundo, e beija-me, querida!

Vive só para mim, só para minha vida,

Só para o meu amor!"

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