Com baseestrela bet registrolei pioneira, Brasil concede cidadania a irmãs sem pátria:estrela bet registro
- Marina Wentzel
- De Basiléia (Suíça) para a BBC News Brasil

Crédito, Arquivo Pessoal
Maha Mamo (ao centro, sem óculos) passou 26 anosestrela bet registroum limbo jurídico junto com seus irmãos
estrela bet registro As irmãs Maha e Souad Mamo viviamestrela bet registroum limbo jurídico estrela bet registro desde que nasceram. Sem um país para chamarestrela bet registropátria, elas se encontravam na estranha situaçãoestrela bet registronão possuir documentos. A vidaestrela bet registroincerteza chegou ao fim nessa quinta-feira, quando elas receberamestrela bet registroGenebra estrela bet registro a cidadania brasileira.
O reconhecimentoestrela bet registrouma pátria foi resultadoestrela bet registroum longo caminhoestrela bet registropercalços e imigração na luta pelo direitoestrela bet registroexistir. A rotina delas era um hiatoestrela bet registroexpectativas e sonhos, mas que hoje passa a ser uma certeza: são cidadãs brasileiras.
Os irmãos Mamo - Maha, Souad e Edward - nasceram no Líbano, filhosestrela bet registropais sírios. Mas, porque o pai Jean Mamo era cristão e a mãe Kifah Nachar era muçulmana, o casamento deles nunca foi registrado na Síria, o que impediu a retiradaestrela bet registrocertidõesestrela bet registronascimento para os filhos no Líbano. As crianças não puderam ser reconhecidas nem como sírias, nem como libanesas.
Sem pátria por 26 anos, Maha lutou por reconhecimento até migrar para o Brasil há cercaestrela bet registroquatro anos. Ao ser acolhida no país, ela conseguiu se firmar como ativista pelos direitos dos apátridas, mas sofreu um episódio trágico.
O irmão Edward foi brutalmente assassinadoestrela bet registrouma tentativaestrela bet registroassalto na noiteestrela bet registro29estrela bet registrojunhoestrela bet registro2016,estrela bet registroBelo Horizonte. Ele não falava português suficientemente bem para entender que estava sendo assaltado e não conseguiu entregar o relógio e a carteira como exigido. A faltaestrela bet registrocompreensão acabou custando a vida. Não teve tempoestrela bet registroalcançar o sonhoestrela bet registrose tornar cidadão brasileiro.
"Eu sei queestrela bet registroonde hoje ele está, sente muito orgulhoestrela bet registronós. Ele está muito feliz. Sem ele a gente não teria conseguido. Ele ajudou tanto na luta por essa legislação. Eu ainda não estou acreditando nesse sonho. Será que é verdade mesmo? Minha irmã e minha mãe estão chorando até agora" disse à BBC News Brasil Maha Mamo.
A conquista póstuma do sonhoestrela bet registroEdward pelas irmãs foi comemoradaestrela bet registrouma cerimônia durante evento na 69ª sessão do Comitê Executivo da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR),estrela bet registroGenebra, na Suíça. A entrega da cidadania a Maha foi feita pelo Coordenador-geral do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), Bernardo Laferté, e pela Embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidasestrela bet registroGenebra.
Nesta quinta-feira Maha trazia orgulhosa a bandeira brasileira pendurada ao redor do pescoço e uma camiseta com os dizeresestrela bet registroinglês "Everybody has the right to belong", ou "Todos têm o direitoestrela bet registropertencer". O documento assinado por Luis Pontelestrela bet registroSouza, Secretário Nacionalestrela bet registroJustiça, datavaestrela bet registro02estrela bet registrooutubroestrela bet registro2018, diaestrela bet registroque as irmãs tornaram-se oficialmente brasileiras.
A nova cidadã conta que a cerimôniaestrela bet registrorecebimento da nacionalidade foi uma surpresa para ela. "Eu não sabia que iria acontecer hoje, não estava esperando e ainda não estou acreditando", disse empolgada. "Agora, é o final felizestrela bet registrouma da história e o começo da minha vida", se alegra.
Epopéia tropical
O Brasil foi o local onde os irmãos Mamo puderam reivindicar seus direitos humanos básicos. Eles se mudaram para o paísestrela bet registro2014 e, dois anos depois, foram reconhecidos como refugiados.
Maha viveu no Líbano até então existindo "nas sombras", como costuma dizer. Ela solicitou acolhimento a diversos países, mas todos negaram seu pedido. Apenas a embaixada brasileira no Líbano estendeu-lhe a mão. Uma oportunidade que mudou a vida dela e dos irmãos: um passaporte facilitadoestrela bet registroentrada no país.

Crédito, Arquivo Pessoal
Casamentos entre muçulmanos e cristãos, como o dos paisestrela bet registroMaha, não são reconhecidos pela lei síria
Maha e os irmãos deixaram a mãe e foram se estabelecerestrela bet registroBelo Horizonte. Foi na capital mineira que voluntários conhecidos pelo Facebook, como a amiga Emiline, a adotaram. A aventuraestrela bet registrouma nova vida começou com a ajudaestrela bet registroestranhos.
A chegada ao Brasil propiciou que os irmãos obtivessem pela primeira vez uma carteiraestrela bet registroidentidade. Todos receberam o Registro Nacionalestrela bet registroEstrangeiro, o reconhecimento fundamental que garantiu que uma sérieestrela bet registrobenefícios pudessem vir a ser conquistados.
Com a primeira cédulaestrela bet registroidentidade, Maha pôde obter o statusestrela bet registrorefugiada e trabalhar. Inicialmente, ela conseguiu empregoestrela bet registrouma fazenda eestrela bet registroseguida teve o reconhecimento do diploma universitário, por meioestrela bet registroum projeto da ONG Compassiva.
Em um vídeo da BBC News Brasil do ano passado ela aparece com a madrinha e reencontrando a mãe depois da separação. "Esse é o único país onde eu existo", disse à BBC na ocasião. Hoje, ela comemora incrédula que a mãe poderá se juntar a ela e à irmã definitivamente. "Agora, minha mãe vai poder ter a residência no Brasil também".
Maisestrela bet registro10 milhões sem documentos
O ACNUR estima que existam maisestrela bet registro10 milhõesestrela bet registropessoasestrela bet registrotodo o mundo que não possuem qualquer nacionalidade - ou cuja a nacionalidade não é reconhecida por outros países.
No Brasil, segundo dados do Ministério da Justiçaestrela bet registro2017, 587 pessoas foram reconhecidas como refugiadas - 310 delas vieram da Síria. Dados da ONUestrela bet registro2016 apontam que, naquele ano, 60.800 pessoas apátridas conseguiram adquirir nacionalidades e foram acolhidas por 31 países.
A apatridia é um limbo jurídico que ocorre por diversas razões. Um cidadão pode não ter o direitoestrela bet registroexistir no papel quando pertence a uma minoria discriminada pela legislação nacional; quando há falhas legais no registro dos residentesestrela bet registrouma região, quando um país estáestrela bet registroprocessoestrela bet registrotornar-se independente (secessãoestrela bet registroEstados), ou quando há conflitosestrela bet registroleis entre os países.
Esses indivíduos não têm certidãoestrela bet registronascimento e, portanto, não existem enquanto cidadãos. Consequentemente, os apátridas não conseguem obter outros documentosestrela bet registroidentificação e sofrem inúmeras dificuldades para ter acesso a direitos fundamentais. Para muitos, por exemplo, é impossível frequentar uma escola, consultar um médico da rede pública, trabalhar com carteira assinada ou até mesmo abrir uma conta bancária.
Bernardo Laferté, cujo avô era apátrida e foi acolhido no País, vê a ação brasileira como uma reafirmaçãoestrela bet registroum compromisso com a "proteçãoestrela bet registrotodos os imigrantes" e com a "redução da apatridia no mundo".
A concessãoestrela bet registronacionalidade a Maha e Souad Mamo só foi possível graças à nova Leiestrela bet registroImigração,estrela bet registrovigor desde novembroestrela bet registro2017. A nova legislação dedicou uma seção especial à proteção das pessoas sem cidadania, garantindo residência e um processoestrela bet registronaturalização simplificado.
"O Brasil tem um amplo históricoestrela bet registroacolher imigrantes, refugiados e apátridas. Principalmente nos últimos 150 anos, acolhemos diversas comunidades que precisaram da nossa proteção, seja por razões econômicas, seja por guerra ou conflito. Tivemos grandes migrações que transformaram a nossa sociedade brasileira", diz Laferté.
Ele ressalta que o compromisso brasileiro no combate à apatridia teve início com a adoção das duas formasestrela bet registronacionalidade originária, pelo território (jus soli) e pelo sangue (jus sanguinis), e agora extensiva aos reconhecidamente apátridas por meioestrela bet registroum processo simplificadoestrela bet registronaturalização, explicou.
Segundo Bernardo Laferté o Brasil concedeu pioneiramente a nacionalidade às irmãs Mamo, tendo justamente por base essa "seção especial"estrela bet registroproteção ao apátrida da nova Leiestrela bet registroMigração que concede com maior facilidade a naturalização.
Para o Alto Comissariado da ONU, identificar e reconhecer as pessoas apátridas é o primeiro passo para permitir que governos possam vir a prevenir esses casos e reduzir a faltaestrela bet registroregistro e acolhimento.
Ativismo
Maha fez da apatridiaestrela bet registromilitância e se juntou ao ACNUR na campanha "#IBelong", uma ação para acabar com as lacunas jurídicas e as perseguições a minorias que levam um indivíduo a não possuir uma nacionalidade.
Aos 30 anosestrela bet registroidade, ela atua hojeestrela bet registrodia como ativista e consultora, trabalhandoestrela bet registromaneira incansável para promover a erradicação da apatridia. Ela assumiu um papel protagonista nas Américas e no mundo, tendo participadoestrela bet registro2016 da primeira Cúpula Mundial Humanitária e se destacadoestrela bet registro2017 como oradora no encontroestrela bet registroespecialistas do ACNUR, do Conselhoestrela bet registroDireitos Humanos da ONU e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
"Agora que tenho a cidadania é que o trabalho vai começarestrela bet registroverdade", prevê a ativista. "O meu trabalho será levar essa legislação brasileira campeã como um marco válido para todos países do mundo. Não advogo para trazer 12 milhõesestrela bet registroapátridas para o Brasil, mas fazer com que os países onde eles estão adotem essa legislação para reconhecê-los."
"É muito importante ter ativistas que levem essa pauta com base na experiência própria, porque torna muito mais real", disse Laferté à BBC News Brasil. "Alguém como a Maha pode debater o tema no mundo, nos meios acadêmicos, nos fóruns internacionais, nos fóruns governamentais e até no seio da nossa sociedade brasileira", defende. "Como ela vivenciou essa experiência ela consegue trazer elementos únicos para essa discussão", elogia.
Historicamente, o compromisso do paísestrela bet registroprevenir e erradicar o problema vem da Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Apátridas,estrela bet registro1954, e da Convenção da ONU para a Redução dos Casosestrela bet registroApatridia,estrela bet registro1961 - ambos documentos promulgados pelo Brasil.
"O Brasil é um grande líder global na solidariedade. Não somos o principal paísestrela bet registrodestino nem dos refugiados, nem dos imigrantes econômicos, mas nós oferecemos proteção e somos uma sociedade pacífica", conclui Laferté.








