As freiras que,realsbet saquevezrealsbet saquecatequizar, defenderam cultura indígena e viram povo 'renascer':realsbet saque

Freirasrealsbet saquealdeia no Mato Grosso

Crédito, Cimi

Legenda da foto, As irmãsrealsbet saque1976, antesrealsbet saqueabandonarem as roupas tradicionaisrealsbet saquefreiras

Quando Veva e mais duas freiras chegaram para estabelecer a primeira missão das Irmãzinhas nas Américas, a população Apyãwa estava reduzida a cercarealsbet saque50 pessoas e corria o riscorealsbet saquedesaparecer. Hoje são quase mil, aproximando-se do tamanho que tinham no início do século 20.

Epidemias entre indígenas

Freira remando no Mato Grosso

Crédito, Cimi

Legenda da foto, Irmã Genoveva remarealsbet saquecanoa pelo rio Tapirapé; freiras abraçaram modorealsbet saquevida dos indígenas

A forte redução populacional na primeira metade do século passado foi provocada principalmente por doenças transmitidas por não indígenas, como gripe e varíola, contra as quais os Tapirapé não tinham anticorpos. A situação depois foi agravada por um ataque dos índios Kayapó, então seus inimigos.

O papel das freiras para a recuperação desse povo lhes rendeu a alcunharealsbet saque"parteiras dos Tapirapé", criada pelo teólogo Leonardo Boff. Elas atuaram primeiro no tratamento das doenças, mas depois também no fortalecimento cultural do grupo e na recuperaçãorealsbet saqueseu território tradicional.

Seu sucesso veiorealsbet saqueuma fórmula novarealsbet saque"evangelização": ao invésrealsbet saquecatequizar os indígenas, elas se integraram ao seu modorealsbet saquevida e buscaram elas mesmas serem Apyãwa. As religiosas viviamrealsbet saquecasas semelhantes às dos indígenas, plantavam e comiam como eles e chegaram a participarrealsbet saquealguns rituais. A forma como Veva foi enterrada, na tradição tapirapé, sintetiza o espírito dessa relação, conta o cacique geral Warei Elber Tapirapé.

"O povo Tapirapé sabe muito bem como elas trabalharam: respeitaram nossa cultura, nossa maneirarealsbet saqueconviver entre nós e com a natureza. E a gente também foi apoiando elas. Essa relação foirealsbet saqueharmonia", resumiu elerealsbet saqueconversa com a BBC News Brasilrealsbet saqueabril, durante o último acampamento Terra Livre (encontro anualrealsbet saquepovos indígenasrealsbet saqueBrasília).

Irmã Odila com líder indígena

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Legenda da foto, Nascida na França, irmã Odila foi a última religiosa a viver entre os Tapirapé, tendo retornado a Parisrealsbet saquejaneiro

O estilo dessas freiras segue os ensinamentosrealsbet saqueCharles De Foucault, missionário francês beatificadorealsbet saque2005 que viveu anos entre árabes nômades no norte da África na virada do século 19 para o 20, mas sem catequizá-los. Foi ele quem inspirou Magdeleine Hutin a fundar a fraternidade Irmãzinhasrealsbet saqueJesusrealsbet saque1939, na Argélia, com propósitorealsbet saqueatender comunidades vulneráveis, principalmente as mais isoladas.

Abandono da catequese forçada

A atuação dessas religiosas era algo inovador no Brasil e - após séculosrealsbet saquecatequese forçada e massacre da cultura indígena - contribuiu para o desenvolvimentorealsbet saqueuma nova formarealsbet saquea Igreja católica lidar com os povos originários no país, processo que culminou na criação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário),realsbet saque1972, observa Gilberto dos Santos, membro do secretariado nacional da organização.

"Foi uma experiência muito forte porque eram religiosas num períodorealsbet saqueque a gente ainda não tinha essa leiturarealsbet saquerespeito à cultura,realsbet saquenão catequese, que aparece no final dos anos 60", ressalta Santos.

A antropóloga e demógrafa Marta Maria do Amaral, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), considera que a presença das religiosas foi "absolutamente fundamental" para a recuperação populacional dos Tapirapé. De um lado, destaca ela, o cuidado com a saúde e a segurança alimentar promovido pelas freiras permitiu que o grupo atingisse taxasrealsbet saquemortalidade infantil mais baixas que arealsbet saqueoutros povos indígenas.

Freiras francesasrealsbet saquealdeia no Mato Grosso

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Legenda da foto, Freirasrealsbet saquealdeia Tapirapé produzem tapioca a partir da mandioca,realsbet saque1992

Por outro, acrescenta, a própria valorização do modorealsbet saquevida Tapirapé e seu empenho para ampliar a articulação do grupo deram "ânimo" pararealsbet saquemultiplicação.

"A atuação das irmãzinhas ajudou muito o grupo a ter mais conhecimento, informação e, portanto, a se sentirem mais fortes para lutarem pelos seus direitos", resume Amaral.

Trabalhorealsbet saqueprol da saúde indígena

No início, a principal atuação das freiras era nos cuidadosrealsbet saquesaúde. Elas tratavam os Apyãwarealsbet saquedoenças como gripe, sarampo, catapora e malária e acompanhavam os índios quando eles precisavam ir a unidadesrealsbet saqueatendimento, contou Odila à BBC News Brasil quando esteverealsbet saqueBrasília para o lançamento do livro "Parteirasrealsbet saqueum Povo", dias antesrealsbet saqueembarcar para a França.

"Íamos na cidade para eles não ficarem perdidos, assustados, e para os médicos também terem vergonha na cara e atenderem melhor. E a gente tentava que os pajés pudessem ir juntos, (para que) o respeito mútuo das ciências pudesse se realizar. Isso nem sempre era possível, porque alguns lugares não aceitavam", recorda.

Para além do cuidado com a saúde, porém, elas viraram confiáveis interlocutoras entre eles e o mundo fora da comunidade. As freiras atuaram na instalaçãorealsbet saqueuma escola indígena na aldeia nos anos 70, reivindicação dos próprios Tapirapé, assim como participaram do longo processorealsbet saquereconhecimento do seu território, homologado pelo governo federal como Terra Indígena Urubu Brancorealsbet saque1998.

Luiz Gouvêa e Eunice Dias foram os primeiros professores da escola e desenvolveram um métodorealsbet saquealfabetização dos indígenas na língua tapirapé a partir do trabalho feito pela freira Mayie Baptiste, que estudou profundamente o idioma, e da linguista Yonne Leite. Hoje, conta Gouvêa, todos os professores da escola e seus administradores são índios Tapirapé, com formaçãorealsbet saquelicenciatura intercultural indígena (curso oferecidorealsbet saquealgumas universidades públicas do país).

Freira carrega mandioca

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Legenda da foto, Irmãs ajudaram indígenas a construir primeira escola no território demarcado

"Podemos dizer que é graças às Irmãzinhasrealsbet saqueJesus (que foi estabelecida a escola). Isso foi importante porque a escola foi também um apoio na luta pela terra, na organização indígena, na discussão das questões trazidas nas assembleias (com outros povos)", ressalta Gouvêa.

Apesar da conquista da demarcação, persistem as invasões do território Tapirapé por madeireiros e criadoresrealsbet saquegado. Uma parte da terra, ocupada por uma fazenda, estárealsbet saquedisputa na Justiça. Em abril, o cacique Warei e outras lideranças Tapirapé, com assistência jurídica do Cimi, passaram horas na Funai,realsbet saqueBrasília,realsbet saquereunião para tratar do processo. Ele lamenta que Odila não esteja mais na aldeia para participar dessa luta.

"Ela mostrou alguns caminhos para nós, mas mesmo assim a gente sente um poucorealsbet saquedificuldade para correr atrás das coisas, principalmente na questão do território", disse o cacique.

Odila não queria deixar o povo, mas, já idosa, voltou à Françarealsbet saquerespeito à decisão da fraternidade, que hoje carecerealsbet saquenovas freiras para dar continuidade ao trabalho. Os Tapirapé, porém, ainda alimentam a esperançarealsbet saqueseu retorno, enquanto mantêm contato por email e WhatsAapp.

Batismorealsbet saqueíndios

Freirasrealsbet saquealdeia Tapirapé

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Legenda da foto, Irmãs Beth, Vera e Odila aprenderam a língua Apyãwa e deixaramrealsbet saqueusar o hábito

Antes das chegadas das religiosas, os Apyãwa já estavamrealsbet saquecontato havia cercarealsbet saquequatro décadas com o catolicismo por meio dos frades dominicanos, que os visitavam esporadicamente e os batizavam. Após o ataque Kayapó, esses missionários persuadiram os indígenas remanescentes a se reagruparem perto do posto do Serviçorealsbet saqueProteção aos Índios (SPI, órgão depois substituído pela Funai), nas margens do Rio Tapirapé. Apenas nos anos 90 eles retornaram à serra do Urubu Branco, território sagrado.

Todo o processorealsbet saquevivência e aprendizado com os indígenas foi registrado por elasrealsbet saquediários. O livro "Parteirasrealsbet saqueum Povo" conta que, nos primeiros 20 anos da presença das religiosas na comunidade, as freiras tinham o desejorealsbet saque"introduzir (os Tapirapé) pouco a pouco no conhecimentorealsbet saqueJesus", embora "sem coerção". No entanto, elas acabaram compreendendo que a força do grupo estava justamente nos seus rituais indígenas.

"Todos os Tapirapé eram batizados quando chegamos. Para nós aparecia a questão: o que aportamos para essas pessoas que (em tese) são católicas?", ressalta Odila.

"Aos poucos, as irmãzinhas perceberam que o ritual era a força vital deles. Acho que isso foi uma luz e que deu tranquilidaderealsbet saquedizer: 'esse povo não precisa ser católico para viver'. Mas isso não foi ditorealsbet saqueum dia para o outro", conta.

A prática do batismo acabou sendo abandonada gradualmente, assim como os hábitosrealsbet saquefreira, que elas inicialmente vestiam, foram substituídos por roupas comuns. Os rituais católicos eram praticados com discrição. O filme histórico "Veva Tapirapé", da produtora católica Verbo Filmes, mostra a capela, um pequeno puxadinho na casa onde as religiosas moravam. Em um canto da parede, havia uma pequena imagemrealsbet saqueMaria, no outro, uma cruzrealsbet saquemadeira simples, sem a imagemrealsbet saqueCristo talhada.

Freira atende criança indígena

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Legenda da foto, Irmãs prestaram serviçosrealsbet saquesaúde num momentorealsbet saqueque grupo sofria com doenças infecciosas

"Nosso modorealsbet saquerezar, a capela, tudo isso a gente simplificou, simplificou, para pelo menos não chocar. Não ficar tão longe (dos costumes) deles", explicou Veva,realsbet saquedepoimento ao filme.

Os Apyãwa acreditam na existênciarealsbet saquevários espíritos com os quais se relacionam por intermédio da atuação dos pajés. Ao invésrealsbet saqueuma posturarealsbet saquerechaço pela religião indígena, as freiras chegaram a participarrealsbet saquealguns rituais, por exemplo produzindo o cauim (bebida típica fermentada) para a festarealsbet saqueKawiypyparakãwa (festa da dançarealsbet saquetorno do cauim). Devido à localização da casarealsbet saqueOdila, ao sul da aldeia, parte das danças e cantos dessa cerimônia, que marca o fim do Ka'o (conjuntorealsbet saquecantos noturnos) e dos rituais da estação chuvosa, ocorriam dentro darealsbet saqueresidência.

"Num primeiro momento achavam que batizar um índio seria uma coisa boa, mas depois entenderam que o Apyãwa tinharealsbet saquereligião,realsbet saquecultura. Porque Takana, a casa dos homens, que fica no centro da aldeia, tem todos os segredo da vida. A questão da espiritualidade, a questão dos pajés, ter esse diálogo com as almas das florestas, as almas dos animais. Graças a elas até hoje o Apyãwa tem aindarealsbet saquecultura viva", disse à BBC Brasil Inamoreo Reginaldo Tapirapé, uma das lideranças.

Por outro lado, conta ele, os indígenas também tinham a sensibilidaderealsbet saquerespeitar os rituais católicos.

"No Natal, as freiras faziam a missinha. Aírealsbet saquemanhãzinha as crianças (Tapirapé) levavam um presente para aquele menino (Jesus), tipo uma florzinha. Era uma formarealsbet saqueagradar também elas. Essa relação não é para destruir a cultura indígena, era uma formarealsbet saquerelacionamentorealsbet saquepaz,realsbet saquefelicidade,realsbet saquealegria", recorda.

Igrejas evangélicas e indígenas

Hoje, após a saída da fraternidade, os Tapirapé deparam-se com o assédiorealsbet saqueoutras religiões. Grupos evangélicosrealsbet saquecidades próximas têm tentado converter as famílias.

"Vemos que as outras igrejas tentam entrar, mas nós, as lideranças, estamos impedindo. Elas entram devagarzinho, mas lá na frente começam a proibir a genterealsbet saquefazer ritual, falar nossa língua. Eles começam a interferir dentro da comunidade, enquanto elas (as Irmãzinhas) não traziam esses problemas", afirma o cacique geral Warei.

Freiras entre indígenas Tapirapé

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Legenda da foto, Quando freiras criaram primeira missão das Irmãzinhas nas Américas, a população Apyãwa estava reduzida a cercarealsbet saque50 pessoas e corria o riscorealsbet saquedesaparecer

Os dados do último censo nacional realizado pelo IBGE mostram que o númerorealsbet saqueíndios evangélicos cresceu 42% entre 2000 e 2010, somando 210 mil, um quarto do total. Apesar disso, Odila se mostra otimista com a continuidade da tradição Tapirapé e aponta que hoje os povos indígenas têm muito mais apoio do que décadas atrás.

"Eu penso que as religiões cristãs têm força mas eu não sei se nessa altura da vida do mundo elas têm o poderrealsbet saqueacabar com esses povos. Acredito que não. Tenho essa tranquilidade dentrorealsbet saquemim", disse.