Com crise e cortes na ciência, jovens doutores encaram o desemprego: 'Título não paga aluguel':h2bet suporte
- Juliana Sayuri
- De São Paulo para a BBC News Brasil

Crédito, Cecilia Tombesi/BBC News
O estatístico Paulo Tadeu Oliveira,h2bet suporte55 anos, defendeu seu doutorado na Universidadeh2bet suporteSão Paulo (USP)h2bet suporteagostoh2bet suporte2008. Dez anos depois, ainda não conseguiu ingressar no mercadoh2bet suportetrabalho. O pesquisador, que é deficiente visual, emendou três pós-doutoradosh2bet suportebuscah2bet suporteespecialização e experiência, mas não passou nas diversas seleções para o quadroh2bet suporteuniversidades públicas. Atualmente, está no quarto estágio pós-doutoral, desta vez sem apoio financeiro.
Em buscah2bet suportetrabalho na iniciativa privada, ele consultou 18 headhunters para tentar enquadrar seu currículo ao mercado, mas encontrou respostas similares: o estatístico não possui experiência corporativa e, ao mesmo tempo, é considerado overqualified (qualificado demais) para as posições disponíveis. Em maio, ele relatouh2bet suportehistória à Comissãoh2bet suporteDireitos Humanos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e espera resposta.
Assim como Oliveira, diversos jovens doutores (ou seja, titulados recentemente) estão patinando profissionalmente. A concorrência continua crescendo: no ano passado, foram formados 21.609 novos doutores – ao todo, são 302.298, incluindo estrangeiros residentes no país.
Em 2006, o país atingiu a metah2bet suporteformar 10 mil doutores e 40 mil mestres por ano, segundo dados da Coordenaçãoh2bet suporteAperfeiçoamentoh2bet suportePessoalh2bet suporteNível Superior (Capes) divulgados à época. Em 2014, o Plano Nacionalh2bet suporteEducação estabeleceu uma nova meta: a formaçãoh2bet suporte25 mil doutores por ano até 2020.
O problema é que o principal destinoh2bet suportedoutores, a área da educação – 74,5% dos empregados estão nas universidades ou institutosh2bet suportepesquisa – sentiu os efeitos da crise econômica no país.
O orçamento do Ministério da Educação (MEC) sofreu cortesh2bet suporteR$ 7,7 bilhõesh2bet suporte2015 eh2bet suporteR$ 10,7 bilhõesh2bet suporte2016, segundo dados da própria pasta. No Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) 44% (R$ 2,5 bilhões) foram congeladosh2bet suporte2017,h2bet suporteacordo com números do governo.
A Capes, vinculada ao MEC, perdeu R$ 1 bilhão por ano desde 2015; o Conselho Nacionalh2bet suporteDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao MCTIC, também perdeu cercah2bet suporteR$ 1 bilhão no caixah2bet suporte2015 para 2016, o que afeta programash2bet suportepós-doutorado, por exemplo.
Nas instituições particulares, o quadro também é pessimista, com a demissãoh2bet suportemilharesh2bet suporteprofessores - a Estácioh2bet suporteSá, por exemplo, demitiu 1,2 mil docentesh2bet suportedezembroh2bet suporte2017 – e o trancamentoh2bet suportematrículash2bet suportealunos, que registrou um aumentoh2bet suporte22,4% entre 2011 e 2015, segundo dados do Instituto Nacionalh2bet suporteEstudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Novo cenário
Entre 1996 e 2014, o númeroh2bet suporteprogramash2bet suportepós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) triplicou no país, informa o relatório Mestres e Doutores 2015, o mais recente da série. Elaborado pelo Centroh2bet suporteGestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o estudo revela que o período também registrou um boom na formaçãoh2bet suportemestres (379%) e doutores (486%) no país.
Um novo estudoh2bet suporteandamento no CGEE revela também a taxah2bet suporteempregabilidadeh2bet suportedoutores recém-titulados: entre 2009 e 2014, o índice se estabilizouh2bet suportecercah2bet suporte73%, mash2bet suporte2016 caiu para 69,3%.
"Historicamente, a taxah2bet suporteemprego é mais estável, frutoh2bet suporteuma política constante, passando por governos variados. Apesarh2bet suporteter cada vez mais doutores, podemos afirmar que até 2015 eles foram absorvidos pelo mercado, público e privado", diz a coordenadora da pesquisa, Sofia Daher,h2bet suporte55 anos.
"A queda não é drástica, mas sinaliza uma tendência nova. Houve uma redução considerávelh2bet suporteconcursos para professores universitários", disse ela à BBC News Brasil.
O pesquisador Ronaldo Ruy,h2bet suporte36 anos, é um retrato desse novo cenário: está desempregado desde a defesah2bet suporteseu doutorado na Universidade Federal do Ceará (UFC),h2bet suporte2016. "Estou buscando pós-doutorado para não tirar definitivamente os dois pés da ciência", diz ele, que fez cursos no Smithsonian Research Tropical Institute e no Florida Museum of Natural History, nos EUA.
Atualmente dependendo da ajuda financeira da família, Ruy buscará trabalho forah2bet suportesua áreah2bet suporteatuação. "O amor pela ciência não as paga contas. No meu caso particular, a situação chegou ao ponto da minha família ter dado prazo para que eu saiah2bet suportecasa e inevitavelmente terei que seguir outro caminho (profissional)", conta.

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Foi o que fez Karen Carvalho,h2bet suporte36 anos, doutorah2bet suporteneurociências pela USP.
Após a conclusão da pesquisa no Instituto Butantan,h2bet suportenovembro, ela tentou ingressar na indústria farmacêutica, sem sucesso.
"Durante o doutorado, desenvolvi depressão. Uma ironia, pois meu campoh2bet suporteestudo é estresse e depressão", diz a bióloga, que hoje atua como corretorah2bet suporteimóveis.
De acordo com uma investigação com 2 mil estudantesh2bet suporte26 países, publicada na revista Nature Biotechnologyh2bet suportemarço, os pós-graduandos têm seis vezes mais chanceh2bet suportesofrer ansiedade e depressão do que a população geral.
Além das pressões do doutorado, Carvalho afirma que a faltah2bet suporteperspectiva agravou seu quadro.
"No Brasil, a gente é tratado como 'só estudante' durante a pós. Falta olhar para o cientista como um profissional, muitas vezes muitíssimo qualificado. Você se mata para fazer mestrado e doutorado, e depois pensa: e agora, vou fazer o que com os títulos? Só perdi meu tempo? É uma tristeza, perde-se o brilho olhando para a situação atual da ciência. A gente está no limbo."
Doutores demais?
O biólogo professor da Universidadeh2bet suporteBrasília (UnB) Marcelo Hermes-Lima,h2bet suporte53 anos, vem criticando o que vê como uma formação excessivah2bet suportedoutores desde 2008.
"Teve uma inundaçãoh2bet suporte'cérebros'. É a lei do mercado: se você tem essa 'commodity' demais, desvaloriza-se", afirma.
Para Hermes-Lima, a última década registrou "uma alucinada proliferação"h2bet suportecursosh2bet suportepós-graduação no país, priorizando quantidade, e não qualidade da formação acadêmica. "Aí chegou o teto - e o teto agora está começando a cair", ilustra.
"A crise econômica empurrou muita gente sem real motivação científica para a universidade. Sem emprego, muita gente buscou refúgio na ciência,h2bet suporteolho nas bolsas. A crise demorou para chegar na ciência, mas agora chegou", critica.
O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, pensa diferente. "Pararh2bet suporteinvestir na formação doutoral é um risco. Como um doutor demorah2bet suporteregra quatro anos para se titular, uma parada significará que, quando precisarmosh2bet suportemais doutores, eles não estarão disponíveis", analisa.
Para ele, a dificuldadeh2bet suportemanter o ritmoh2bet suporteinvestimento para jovens doutores está relacionada "por um lado, à crise econômica; por outro, às prioridades diferentes do novo governo".

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Procurado pela BBC News Brasil, o Ministério da Educação diz não ser "verdade que falte recurso para as universidades". "A expansão das universidades federais trouxe impactos significativos para o orçamento do MEC, que precisam ser compreendidos emh2bet suporteplenitude", escreve a pasta,h2bet suportenota.
Essa expansão, acrescenta, "foi realizada sem planejamento". "O anoh2bet suporte2014 foi influenciado pelas eleições e por um momento econômicoh2bet suporteque a gestão anterior não mensurou os efeitos dos gastos exagerados e sem controle. Diversos programas aumentaram recursos fora da realidade, fazendo com que a própria gestão anterior iniciasse as reduções, a partirh2bet suporte2015", conclui.
De 2003 a 2010, houve um saltoh2bet suporte45 para 59 universidades federais, o que representa uma ampliaçãoh2bet suporte31%; eh2bet suporte148 câmpus para 274 câmpus/unidades, crescimentoh2bet suporte85%. A expansão também proporcionou uma interiorização – o númeroh2bet suportemunicípios atendidos por universidades federais foih2bet suporte114 para 272, um crescimentoh2bet suporte138%, segundo dados do próprio MEC.
Porh2bet suportevez, o MCTIC afirma que está atuando junto à equipe econômica para maior disponibilizaçãoh2bet suporterecursos. "Em anos anteriores, os esforços do MCTIC para recomposição orçamentária têm dado resultados, com a liberaçãoh2bet suporterecursos contingenciados ao longo do ano. No cenárioh2bet suporterestrições orçamentárias, o MCTIC mantém ainda permanente diálogo com os gestoresh2bet suportesuas entidades vinculadas para que os recursos sejam otimizados, minimizando o impactoh2bet suportesuas atividades."
Cartash2bet suporterejeição
Diante da faltah2bet suporteoportunidade no mercado, tanto na iniciativa privada quanto nas instituições públicas, muitos jovens doutores apostaram na possibilidadeh2bet suporteum pós-doutorado, conforme diversos relatos à BBC Brasil. A bolsa mensal do CNPq éh2bet suporteR$ 4,5 mil.
Diferentemente do mestrado ou doutorado, o pós-doutorado não é um título: é uma especialização ou um estágio para aprimorar o nívelh2bet suporteexcelênciah2bet suportedeterminada área acadêmica. É visto como um aperfeiçoamento do currículo para processos seletivos para docente nas universidades públicas.
Para a maioria dos candidatos, porém, as expectativas acabaram frustradas.
"A proposta, apesarh2bet suportemeritória, não pode ser atendida nesta demanda, considerando-se a disponibilidadeh2bet suporterecursos", dizia a resposta-padrão enviada a dezenash2bet suportedoutores recém-titulados que tinham pedido bolsas na modalidade Pós-Doutorado Júnior (PDJ), do CNPq.

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Diante do resultado, divulgadoh2bet suportemeadosh2bet suportejunho, muitos doutores relataramh2bet suporteindignação ao serem rejeitadosh2bet suportedepoimentoh2bet suportegrupoh2bet suporte6,6 mil pesquisadores brasileiros no Facebook. Sob a condiçãoh2bet suporteanonimato, um parecerista do CNPq conta que os avaliadores também ficaram frustrados. "Não importa o quanto o projeto é excelente, não há recursos para todo mundo; é infrutífero para a ciência do país".
No início deste ano, dos 2.550 pedidos recebidos pelo CNPq, foram concedidas 363 bolsash2bet suportePDJ. No primeiro calendárioh2bet suporte2017, foram 2392 pedidos e 359 concessões.
Doutorh2bet suportepsiquiatria pela UFRGS, com temporadah2bet suporteestudos na Tufts University, nos EUA, o pesquisador Dirson João Stein,h2bet suporte44 anos, tentou quatro editaish2bet suportepós-doutorado desde abril, diante da faltah2bet suporteconcursos na área. Não conseguiu aprovaçãoh2bet suportenenhum.
"Vejo como uma oportunidadeh2bet suportetransição entre a vida estudantil e a vida profissional. Há possibilidadeh2bet suportepraticar a docência, um dos principais pré-requisitos para a seleçãoh2bet suporteprofessores", considera. Assim como Ruy, Stein depende da família e, agora, faz freelancer como garçom para festash2bet suporteSão Leopoldo (RS).
Peso emocional
A psicóloga Inara Leão Barbosa,h2bet suporte60 anos, que pesquisa desemprego desde 2003, destaca que umh2bet suporteseus efeitos psicossociais é o isolamento dos amigos e da família.
"É um sentimentoh2bet suporteregressão, um impacto muito violento. Eles, que eram considerados tão inteligentes, passam a ser vistos como vagabundos que não querem trabalhar. Muitos voltam a morar com os pais e são tratados como adolescentes. Eles se culpam como indivíduos, esquecendo que a crise faz parte do sistema", diz Barbosa, professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Muitos doutores vão parar no subemprego. "E, se você não quiser (o subemprego), no momentoh2bet suportecrise tem uma filah2bet suportegente que quer", afirma.
Professor da Universidade Federal do Estado do Rioh2bet suporteJaneiro (Unirio), o historiador Rodrigo Turin, 38, diz que a academia está sendo pautada por conceitos como "produtividade", "inovação" e "excelência", respondendo a uma lógicah2bet suportemercado.
"Já começaram a aparecer, inclusive, ofertash2bet suportepostos não-remunerados, nos quais esses jovens acadêmicos são induzidos a pesquisar e dar aulas apenas para poder 'engordar' seus currículos e, assim, se tornarem mais competitivos", critica.
Essa "ideologia da excelência" é um dos pontos estudados por Lara Carlette,h2bet suporte29 anos. Sua tese Universidadesh2bet suporteclasse mundial e o consenso pela excelência, defendida no Departamentoh2bet suporteEducação da Universidade Federalh2bet suporteSanta Catarina (UFSC),h2bet suportefevereiro, foi indicada ao Prêmio Capes pela originalidade do trabalho.
Ao propor um desdobramentoh2bet suportesua pesquisa para o CNPq, ela recebeu dois pareceres positivos e uma decisão negativa que, ironicamente, indicava faltah2bet suporteoriginalidade.
Segundo Carlette, os jovens doutores vivem impasses: por um lado, muitos passam anos na condiçãoh2bet suportebolsistash2bet suportededicação exclusiva (o que proíbe vínculo empregatício, assim limitando a possibilidadeh2bet suporteexperiência docente); por outro lado, a experiência é cobrada nos concursos.
Na mesma linha, os acadêmicos precisam preservar a originalidadeh2bet suportesuas teses (o que limita a publicaçãoh2bet suporteartigos durante o doutorado), mas a produtividade (o númeroh2bet suportepublicações) é cobrada nos processos seletivos e nos editais.
"Pode parecer dramático, mas conviver com isso diariamente é torturante. Saber ler a conjuntura, e não individualizar a faltah2bet suporteoportunidades, é essencial", adiciona a pesquisadora, que já foi questionada inclusive pela juventude: foi chamadah2bet suporte"novinha" durante um processo seletivo.
"Depois da alegria e do alívioh2bet suportedefender uma tese, você está desempregado no dia seguinte. Título não paga aluguel."
O jovem deficiente que conseguiu doutoradoh2bet suporteFísica graças à ajuda das mãosh2bet suportesua mãe
Chilena Sara Díaz acompanhou David, que tem restrições motoras, a todas as suas aulas na universidade; ela escrevia enquanto ele 'entendia e pensava'; hoje, é doutorh2bet suporteFísica pela Universidade Católica do Chile.









