'A gente não pode naturalizar o sofrimento', diz irmãluva bet luva de pedreiroMatheusa Passareli, trans morta no Rio:luva bet luva de pedreiro

Crédito, Lucas Affonso
As duas, que nasceram Gabriel e Matheus, se apresentavam como "bichas travestis" ou "transexuais não-binárias", que não se identificam com o gênero masculino, nem o feminino. "É um lugarluva bet luva de pedreirointersecção entre ser homem e mulher. É uma questão maisluva bet luva de pedreirocomportamento,luva bet luva de pedreiroacabar com o 'ele' e 'ela', do queluva bet luva de pedreiromudançaluva bet luva de pedreirosexo", diz Gabe Passareli à BBC Brasil.
Na madrugada do último dia 29, Matheusa, ou Theusinha, como os amigos a chamavam, desapareceu após ir a uma festa no bairro Encantado, perto da favela Morro do 18,luva bet luva de pedreiroÁgua Santa, na zona norte do Rio. Na segunda, 7, Gabe avisou aos amigos que a Polícia Civil carioca confirmou que Matheusa havia sido executada.
"Seu corpo, também segundo informações da Delegacialuva bet luva de pedreiroDescobertaluva bet luva de pedreiroParadeiros (DDPA), foi queimado e poucas são as possibilidadesluva bet luva de pedreiroencontrarmos alguma materialidade, além das milhares que a Matheusa deixouluva bet luva de pedreirovida e que muito servirão para que possamos ressignificar a realidade brutal que estamos vivendo", postou a irmã no Facebook.

Crédito, Robinson Barbosa
Júriluva bet luva de pedreirotraficantes
Matheusa, segundo a irmã, tinha começado a fazer tatuagens com uma técnica chamada "handpoked", usando apenas agulha e tinta, sem máquina. Horas antesluva bet luva de pedreiroser morta, ela foi ao bairro do Encantado, na Zona Norte do Rio, para tatuar uma amiga que comemorava aniversário naquele dia.
Testemunhas relataram que ela se sentiu mal e deixou a festa falando coisas desconexas. No caminho, ainda segundo relatos, ela tirou a roupa.
De acordo com a delegada Ellen Souto, da Delegacialuva bet luva de pedreiroParadeiros, Matheusa foi parar no Morro do 18, a dois quilômetros da festa onde estava. Em entrevista ao telejornal "RJ TV", Souto afirmou que a estudante estava nua quando um grupoluva bet luva de pedreirotraficantes resolveu submetê-la a um julgamento informal. Em meio à situação, Matheusa parecia alheia e seguia dizendo frases desconexas. De acordo com a polícia, a reaçãoluva bet luva de pedreiroMatheusa teria precipitado a execução por parte dos traficantes.
"A Matheusa não se drogou voluntariamente (na festa). Isso foi algo que todas as pessoas que foram dar testemunho afirmaram. Mas que involuntariamente isso poderia ter sido uma questão. Podem ter colocado algo na bebida dela", afirma Gabe.
Segundo ela, a irmã também não tinha históricoluva bet luva de pedreirodoença psiquiátrica. "Ela nunca foi diagnosticada com surto psiquiátrico. Que ela estavaluva bet luva de pedreirosituaçãoluva bet luva de pedreirocrise e grande estresse ali (na festa), é fato. Alguma coisa aconteceu na festa, houve algum tipoluva bet luva de pedreirogatilho (para ela se comportar da maneira relatada)."
"Eu jamais na minha vida imaginei que sofreria algo desse tipo,luva bet luva de pedreirotamanha violência", desabafa Gabe.
Bicha travesti
Gabe diz que, até o dia da morteluva bet luva de pedreiroMatheusa, nenhuma das duas havia sofrido violência física ou ameaças.
A tensão, no entanto, fazia parte da vida das irmãs desde crianças, segundo Gabe, por elas não "se encaixarem no que as pessoas entedem como corposluva bet luva de pedreiromenino eluva bet luva de pedreiromenina".
Na adolescência, as duas contaram uma para a outra que eram gays - primeiro foi a mais velha e, depois, Matheusa. Um tempo depois, começaram a questionar o conceitoluva bet luva de pedreirogênero, vendo que não se encaixavamluva bet luva de pedreiroapenas um deles, passaram se identificar como "bichas travestis" e a adotar um visual fluido, cheioluva bet luva de pedreiroreferências femininas.
"Nunca sofremos agressão física, mas o olhar mata também, a violência verbal, o modo como alguém se aproximaluva bet luva de pedreiroum outro corpo também mata. Sofremos sempre vários tiposluva bet luva de pedreiroviolência", afirma Gabe.
Matheusa usavaluva bet luva de pedreiroarte para questionar principalmente os conceitosluva bet luva de pedreirogênero eluva bet luva de pedreiroraça - gostavaluva bet luva de pedreirodizer que era uma "bicha preta". Ela participavaluva bet luva de pedreirodois coletivos performáticos LGBTs: o Seus Putos, formado na UERJ, que se define como um grupo "de ações estético-políticas e práticas teóricasluva bet luva de pedreirocrítica às instituiçõesluva bet luva de pedreiroopressão e aos padrões normativos", e o Xica Manicongo, movimentoluva bet luva de pedreiroarte, cultura, militância e ativismo.
A estudante adotou a performance como umaluva bet luva de pedreirosuas principais maneirasluva bet luva de pedreiroexpressão artística no início da faculdadeluva bet luva de pedreiroartes visuais. Recentemente, havia participadoluva bet luva de pedreirouma na feira SP-Arte,luva bet luva de pedreiroSão Paulo.
Matheusa estava iniciando uma pesquisa sobre "performance e linguagem queer"luva bet luva de pedreiroum cursoluva bet luva de pedreiroformação artística da tradicional Escolaluva bet luva de pedreiroArtes Visuais do Parque Lage (EAV), no Rio. Theusinha havia sido selecionada como aluna-bolsista da escola.
Gabe conta que a relação da irmã com a arte começou ainda na infância,luva bet luva de pedreiroRio Bonito, muito estimulada pela mãe. "A gente tinha nosso próprio blocoluva bet luva de pedreiroCarnaval, fazíamos nossas coisas com liberdade e assim fomos sendo criados. E tudo foi encaixando num processo muito natural, fluido", conta. "A gente não acredita que a arte esteja desvinculada da vida. A Matheusa sempre dizia que na arte era necessário extrapolar sempre o quadro."
Antes entrar para a EAV, Matheusa havia feito um curso para ser arte-educadora e chegou a trabalhar por um período no Museu do Amanhã.
A estudante tentava sobreviver com uma bolsaluva bet luva de pedreiroR$ 500 que recebia da universidade, mas o dinheiro não era suficiente.
Na última foto que postou no Instagram, pedia ajuda para encontrar um quarto para morar - ela e a irmã viviam com uma famílialuva bet luva de pedreiroVila Isabel.
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Passarela
A moda também era uma das coisasluva bet luva de pedreiroque gostava e com a qual se expressava. Recentemente, passou a fazer parteluva bet luva de pedreirouma agêncialuva bet luva de pedreiromodelos chamada Squad, que se apresenta como representanteluva bet luva de pedreiropessoas "fora do padrão".
Em janeiro, Matheusa pisou na passarela da semanaluva bet luva de pedreiromoda paulistana Casa dos Criadores, exibindo uma roupa do estilista Fernando Cozendey. Entrou na passarela seguraluva bet luva de pedreirosi, usando um vestido preto transparente com uma tanga fio-dental visível por baixo - e uma plateia grande assistindo. Ela mais uma vez mostrava que tinha saídoluva bet luva de pedreiroRio Bonito para o mundo.
Ela também participavaluva bet luva de pedreirouma rede chamada Jacaré Moda, que trabalha potencializando a periferia do Rio por meio da moda.

Crédito, Instagram/ theusinha
LGBTfobia e direitos humanos
Embora afirme não querer culpar ninguém ou fazer especulações sobre as investigaçõesluva bet luva de pedreiroandamento, Gabe diz que o assassinato da irmã é um atentado aos direitos humanos e que pode ter sido motivado por ódio à população LGBT e por racismo.
Um relatório do Grupo Gay da Bahia, que há 38 anos produz estatísticas sobre assassinatosluva bet luva de pedreirotrans e gays no Brasil, registrou 445 homicídios desse tipoluva bet luva de pedreiro2017, um aumentoluva bet luva de pedreiro30%luva bet luva de pedreirorelação ao ano anterior. Os dados corroboram outros relatóriosluva bet luva de pedreiroentidades internacionais como a Transgender Europe, que apontam o Brasil como o campeão mundialluva bet luva de pedreiroassassinatosluva bet luva de pedreirotransexuais e travestis.
Por meio da assessorialuva bet luva de pedreiroimprensa da Polícia Civil do Rio, a delegada Souto disse à BBC Brasil que não descarta qualquer motivação na execuçãoluva bet luva de pedreiroMatheusa, porque as investigações ainda não foram concluídas.
"Eu acho que quando falaluva bet luva de pedreirodireitos humanos estamos falandoluva bet luva de pedreirodiferençasluva bet luva de pedreiropersonalidades, gênero, raça, sexualidade, capacidade. Não acho que o que aconteceu com o Matheus (ela chama a irmã tanto pelo nomeluva bet luva de pedreirobatismo quanto pelo adotado mais tarde) se configure apenas na questão da LGBTfobia. Envolve racismo, muitas coisas" e não pode ser tratado na superficialidade.
"Tiraram o maior direito dela, que era oluva bet luva de pedreiroviver. Então, espero que sejam criados espaços para falarluva bet luva de pedreirodireitos humanos", diz ela, que espera que os criminosos sejam punidos.

Crédito, Reprodução/Gabe Passareli
"O que aconteceu com o Matheus é mais um exemploluva bet luva de pedreiroque as violências sobre muitos corpos ainda estão acontecendo. E muitos corpos acabam sendo mais mortos dos que outros. Mas a gente não pode naturalizar o sofrimento. Eu não vou permitir que essa dor vire paralisia. Luto é verbo e eu continuo lutando."
A irmãluva bet luva de pedreiroMatheusa também diz que não tolerará qualquer tipoluva bet luva de pedreirocomentário que pretenda questionar o comportamento dela ou tentar fazer algum tipoluva bet luva de pedreiroassociação ao crime como causaluva bet luva de pedreirosua morte. "Se isso vier a acontecer, essas pessoas serão responsabilizadas. Afinal, crimeluva bet luva de pedreiroódio também é crime."
Para Gabe, os assassinatosluva bet luva de pedreiroMatheusa e Marielle Franco, no intervaloluva bet luva de pedreirodois meses no Rio, dialogamluva bet luva de pedreirouma certa maneira. "Se eu puder fazer uma interseção entre esses assassinatos é: por que figuras tão representativas na nossa atualidade continuam morrendo? Imagina a quantidadeluva bet luva de pedreiromortos que nem chegam até a gente", diz. "E tanto o corpo da Matheusa quanto o da Marielle sãoluva bet luva de pedreironegros. Mortes como essas só fazem a manutenção da escravidão e a tentantivaluva bet luva de pedreiroextermínio do povo negro."









