Os descendentes que preservaram no Brasil uma língua que quase não se fala mais no Japão:ezeewallet casino
- Leticia Mori
- Da BBC Brasilezeewallet casinoSão Paulo
ezeewallet casino Quando a cantora japonesa Megumi Gushi começou a cantar na língua originalezeewallet casinoOkinawa, a província onde nasceu, no sul do Japão, foi ao Brasil que ela veio para estudar o idioma.
"Ela veio para estudar um pouco a pronúncia, melhorar a dicção. Ela falava que aqui que estava a verdadeira língua okinawana", explica Tério Uehara, presidente da Associação Okinawaezeewallet casinoVila Carrão,ezeewallet casinoSão Paulo, uma das entidades que a recebeu por aqui. Megumi participouezeewallet casinodiversos grupos folclóricos e conviveu com imigrantes idosos.
É que no Brasil a língua e a cultura do arquipélago se mantiveram vivas. Muitos dos imigrantes okinawanos conversam até hoje no idioma da região – considerado patrimônio culturalezeewallet casinoperigo pela Unesco – e passaram a cultura para seus descendentes.
No Japãoezeewallet casinohoje, a maior parte dos habitantes da província fala nihongo, o japonês do resto do país – já que a língua tradicionalezeewallet casinoOkinawa e seus dialetos foram proibidos durante muitos anos.
Originárioezeewallet casinoum reino independente (Reinoezeewallet casinoRyukyu) e mais aberto ao contato com outros povos do que o Japão medieval, o arquipélagoezeewallet casinoOkinawa desenvolveuezeewallet casinoprópria língua e cultura.
Anexada pelo Japão Imperial no século 19, ficou anos ocupada pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra, sendo reintegrada ao país oriental sóezeewallet casino1972, explica Eiki Shimabukuro, presidente da Associação Okinawa Kenjin do Brasil.
A perseguição praticada pelo Estado e sofrida durante anos pelos habitantes da região fez com que as particularidades da cultura local – incluindo a língua – fossem minguando. Nos últimos anos, no entanto, tem acontecido uma retomada e uma valorização, segundo Tério.
"Houve uma mudançaezeewallet casinolinha do Japãoezeewallet casinorelação a Okinawa", explica o historiador da USP Ricardo Sorgon Pires, que fez seu doutorado sobre a comunidade okinawana no Brasil. "O país começou a promover a região pelo turismo, mostrar uma Okinawa mais pop, com música e animes que se passavam na província. Isso se refletiu no Brasil. Muita gente começou a querer entender melhor suas origens."
Raízes espalhadas
Megumi não foi a única a vir ao Brasil para entender melhor o Japão. Diversos pesquisadores do país viajam para cá para estudar a língua e a cultura okinawanas.
"Também recebemos estudantes o tempo todo", diz Eiki, alguns minutos antesezeewallet casinoreceber duas universitárias.
Recém-chegadasezeewallet casinoOkinawa, Mei Nakamura e Momoka Shimabukuro vieram para um intercâmbio no Brasil. Mei, que estuda pedagogia, quer entender como as comunidadesezeewallet casinodescendentes se organizaram e transmitiram a cultura foraezeewallet casinoOkinawa.
Momoka, que estuda administraçãoezeewallet casinoempresas, veio por motivos pessoais. "Nasci e cresciezeewallet casinoKin, uma cidade pequena do interior. Meu objetivo é ter contato com um olharezeewallet casinoquem éezeewallet casinofora, para conseguir encontrar minha própria identidade. E talvez encontrar a felicidade nessa identidade, que não encontrei ainda, a partir desse olhar externo", diz ela.
As duas não falam okinawano, mas japonês. A língua tradicional não é ensinada no ensino fundamental nem muito usada no dia a dia por pessoas mais jovens - é possível aprendê-laezeewallet casinocursos universitários ou com professoresezeewallet casinolínguas.
Mesmo entre os mais velhos que preservam outras tradições, como a culinária e a religião, muitas vezes a língua foi esquecida.
Yoko Gushiken,ezeewallet casino70 anos, que veio para o Brasil com dez, conta queezeewallet casinoirmã que ficou no Japão já não fala mais okinawano. "Fui visitá-la e fomos ao teatro. A peça eraezeewallet casinookinawano. Eu entendia tudo, e ela não. Ele me falou: 'como pode você saber melhor que eu'?", conta a professoraezeewallet casinoRyukyu Buyo, a dança folclórica tradicional.
"Quando éramos pequenas, se falássemos na escola, eramos castigadas. Masezeewallet casinocasa, escondido, eu falava. Aí vim para o Brasil com meu irmão mais velho e aqui podia falar, então mantive (o conhecimento)", conta ela.
Yoko é um exemploezeewallet casinocomo a cultura da província se manteve viva no Brasil. Ela começou a dançar Ryukyu Buyo com 9 anos, ainda emezeewallet casinoterra natal, e continuou a praticar depoisezeewallet casinoimigrar para o Brasil. Depoisezeewallet casinoadulta, se formou como professora da dança tradicional e passou a ensinar a arte no Brasil.
"A dança é importante para passar a cultura para os descendentes. Tem que gostar muito, senão não faz. Trabalhar e ainda dar aula, cuidar dos filhos, do marido... Se a família não tem compreensão, você não consegue", afirma.
Sua história é parecida com aezeewallet casinosuas colegas, como a da japonesa Kazue Shiroma,ezeewallet casino79 anos, que passou pela Bolívia antesezeewallet casinose estabelecerezeewallet casinoSão Paulo. Elas participam da competiçãoezeewallet casinoRyukyu Buyo que existe há 36 anos do Brasil.
Diferentementeezeewallet casinoYoko, cujas alunas são todas mais velhas, Kazue tem diversas alunas crianças. Para Tério Uehara, atrair jovens é essencial para não deixar a tradição morrer.
Às vezes o interesse pelas raízes pula uma geração. A netaezeewallet casinoimigrantes Dani Aragaki conta que começou a se interessar porezeewallet casinoraízes na adolescência, mas teve dificuldade para recuperar algumas das tradições. "A principal (dificuldade) foi com a religião, porque meus tios tinham jogado fora o butsudan (altarezeewallet casinoreverência aos ancestrais) da família quando se tornaram evangélicos", conta.
O historiador Ricardo Sorgon Pires diz que as associações estão preocupadas com essa questão das pessoas se desfazendo dos altares domésticos.
É responsabilidade do filho mais velho cuidar do butsudan, que é muito importante pois reúne as cinzasezeewallet casinoantigas orações.
A religiãoezeewallet casinoOkinawa é diferente tanto do budismo quanto do xintoísmo que predominam no resto do Japão, mas mistura elementosezeewallet casinoambas as religiões, explica Shinji Yonamine, especialistaezeewallet casinotradiçõesezeewallet casinoOkinawa. É baseada no culto aos ancestrais: isso é algo tão importante quando uma pessoa se muda para muito longe que é comum que leve junto os restos mortais da família para serem enterrados na nova localidade.
"A religião é um dos aspectos mais importantes da cultura", diz o historiador. "Também são a dança, a música, a língua e a comida."
A comida é considerada não apenas essencial ao sustenso, mas à saúde. Há até uma expressão típica sobre isso: nuchi gusui, que pode ser traduzida como "alimento é remédio". A culinária é baseadaezeewallet casinocarneezeewallet casinoporco e leguminosas.
Esforço coletivo
Em São Paulo, um dos principais responsáveis por divulgar a música, a dança e a comida da região é o Okinawa Festival, organizado pela comunidade da Vila Carrão. O evento acontece há 15 anos e tem também apresentaçõesezeewallet casinoartes marciais – como o karatê, que é originário da província.
A associação do bairro é a maior das 44 associações okinawanas no Brasil – quase o mesmo númeroezeewallet casinoentidades do resto do Japão, embora os imigrantes da província sejam 10% dos japoneses que vieram para o Brasil.
Segundo Ricardo, as associações tiveram um papel essencial para a manutenção das tradições.
Elas foram criadas, inicialmente, para ajudar os imigrantes na adaptação. Segundo o historiador, no início era comum que os imigrantes fossem 'japonisados', ou seja, aconselhados a esconderezeewallet casinoorigem. Embora não sofressem uma perseguição do Estado específica por seremezeewallet casinoOkinawa, havia o preconceitoezeewallet casinooutros imigrantes. "Eles eram aconselhados a evitar falar okinawanoezeewallet casinopúblico, evitar levar os filhos nas costas, tomar banhoezeewallet casinopúblico ou andar descalço", conta.
Mas rapidamente seu papel passou a ser oezeewallet casinopreservação das tradições. É nas associações que hoje se ensinam a língua, a dança e como tocar o sanshin, o instrumento tradicional okinawano.
"Okinawanos são muito unidos, e precisaram se unir ainda mais quando foram para um país estrangeiro. Por isso temos tantas associações", diz Tério Uehara. "Em Okinawa se valoriza muito a origem, há uma relação próxima comezeewallet casinoterra. A maioria dos descendentes sabeezeewallet casinoqual cidade e qual bairroezeewallet casinofamília veio. Tem uma associação para cada região."