Luta pela vida, reforço da desigualdade ou gasto desenfreado? A díficil equação da judicialização da saúde:preço das loterias

  • Mariana Alvim - @marianaalvim
  • Da BBC Brasilpreço das loteriasSão Paulo
Estantes com remédios

Crédito, PA

Legenda da foto, Segundo TCU, gastos do Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais passarampreço das loteriasR$ 70 milhõespreço das loterias2008 para maispreço das loteriasR$ 1 bilhãopreço das loterias2015

preço das loterias Um paciente entra na Justiça - por meiopreço das loteriasum advogado privado - para obrigar o governo a lhe fornecer um remédio. A demanda é atendida, levando a gastos muitas vezes não previstos pelos governos municipais, estaduais e federais.

Trata-sepreço das loteriasum enredo que se repete com cada vez mais frequência no Brasil,preço das loteriasum fenômeno conhecido como "judicialização da saúde". O descompasso entre os pedidos judiciaispreço das loteriaspacientes, que querem fazer valer seu direito constitucional à saúde, e as limitações orçamentárias do serviço público é tanto que o tema entrou na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF).

Há exatamente um ano, estão na filapreço das loteriasjulgamento dois processos sobre o tema. O primeiro questiona a obrigação do Estadopreço das loteriasfinanciar medicamentospreço das loteriasalto custo que não tenham sido registrados pela Anvisa, a agênciapreço das loteriasvigilância sanitária. O segundo pleiteia o custeio públicopreço das loteriasremédios que não tenham sido incluídos pelo Sistema Únicopreço das loteriasSaúde (SUS).

Ambos serão julgados juntos e foram classificados pela corte comopreço das loterias"repercussão geral". Isso quer dizer que a decisão dos ministros deverá ser seguida por juízespreço das loteriasinstâncias inferiorespreço das loteriascasos semelhantes.

A expectativa dos governos é que a decisão do Supremo seja capazpreço das loteriasinterromper um ciclopreço das loteriasquebra dos planejamentospreço das loteriassaúdepreço das loteriastodo o país. Já pacientes e familiares que buscam remédios na Justiça vivem a afliçãopreço das loteriaspoder ter seus pleitos barrados.

Nos últimos 12 mesespreço das loteriasque o processo ficou parado nos escaninhos do STF, alguns estudos têm apontado para a complexidade do assunto.

Uma das questões é a possibilidadepreço das loteriasque a judicialização da saúde reforce a desigualdade entre ricos e pobres no país no acesso à saúde. Por outro lado, o avanço na inclusãopreço das loteriasmedicamentos distribuídos pelo SUS parece,preço das loteriasalguns casos, acontecer por força das demandas judiciais. Há ainda suspeitaspreço das loteriasque o fenômeno sirva como ferramentapreço das loteriaslobby para laboratórios e possibilidadepreço das loteriasenriquecimento para advogados.

Judicialização reproduz desigualdade?

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Um grupopreço das loteriasespecialistas tem argumentado que, alémpreço das loteriasdificultar o equilíbrio entre o direito dos indivíduos à saúde e as limitações dos recursos públicos, a judicialização tem beneficiado relativamente mais pessoas com recursos, espelhando a desigualdades entre ricos e pobres no país.

Essa é a conclusãopreço das loteriasdois estudos recentes sobre o tema: um publicado como tesepreço das loteriasdoutorado na USP pela pesquisadora Ana Luiza Chieffi e outro, como auditoria do Tribunalpreço das loteriasContas da União (TCU).

Segundo Chieffi, a questão da desigualdade é evidentepreço das loteriasSão Paulo. Ela constatou que, entre 2010 e 2014, dos 56 mil processospreço das loteriasque o Estado foi obrigado a fornecer algum tipopreço das loteriasproduto relacionado à saúde, as ações foram protagonizadas por advogados privadospreço das loterias64% dos casos, seguidospreço das loteriaslonge por defensores públicos (13,8%) e promotores (9%).

Além disso,preço das loteriasquase metade das ações (47,8%), as receitas que levaram a processos também foram prescritas por médicospreço das loteriasclínicas privadas. Assim, na prática, quem precisa mais e tem menos recursos para se socorrer tem menos acesso a esse tipopreço das loteriasdemanda judicial.

"A ação judicial está concentrada nas camadas menos vulneráveis, por isso, estes e outros dados mostram que a judicialização acentua a desigualdade no acesso à saúde" preço das loterias , afirma Chieffi, que verificou também aumentopreço das loterias63% no volumepreço das loteriasdemandas judiciais para fornecimentopreço das loteriasprodutos relacionados à saúde no Estadopreço das loterias2010 a 2014.

O TCU registrou situação parecida. De acordo com a auditoria, os gastos do Ministério da Saúde para cumprir decisões judiciais passarampreço das loteriasR$ 70 milhõespreço das loterias2008 para maispreço das loteriasR$ 1 bilhãopreço das loterias2015.

Dos doze tribunais que forneceram dados referentes aos representantes das ações, quatro apresentaram advogados privados como protagonistaspreço das loteriasmaispreço das loterias50% das ações; outros quatro tiveram defensores públicos como majoritários. Somente o Tribunalpreço das loteriasJustiça do Paraná apontou para a atuação do Ministério Público como majoritária.

O TCU afirma que a atuação do Ministério Público,preço das loteriasgeral, é "bastante reduzida", e um baixo índicepreço das loteriasações coletivas por medicamentos reforça o caráter individual da judicialização por saúde no Brasil.

Remédios na prateleira
Legenda da foto, Novos estudos mostram que judicialização acentua desigualdade no acesso à saúde | Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

Segundo o estudo do tribunal, tal característica acaba gerando inequidade no acesso à saúde, já que pacientes que obtiveram decisões judiciais favoráveis são priorizados, "em detrimento dos demais usuários inseridos no SUS".

Por email, o ministro do TCU Bruno Dantas, relator da auditoria, afirmou que esta inequidade se relaciona a outra: a desigualdade social no país.

"Há uma relativa facilidadepreço das loteriasacesso à Justiça e uma alta probabilidadepreço das loteriassucesso nas ações judiciais dessa natureza, superior a 80% no Brasil. À primeira vista, esse dado seria positivo, se não fosse um detalhe perverso:preço das loteriasrazão dos custos processuais, as ações tendem a afastar os mais pobres", disse.

"Isso quer dizer que a judicialização no Brasil, no lugarpreço das loteriasbeneficiar grupos mais vulneráveis, como quis a Constituição e como deseja qualquer sistema amparado na solidariedade social, pode estar intensificando as iniquidades já existentes na ofertapreço das loteriasserviços à saúde", acrescentou Dantas.

"O dinheiro inicialmente alocado para a execução da política públicapreço das loteriassaúde, dirigido a todos, é redirecionado para atender a demanda individualpreço das loteriasquem tem acesso à Justiça", completa.

Antespreço das loteriastudo, um direito

Por outro lado, pacientes com doenças raras e seus parentes também têm acompanhado com muita expectativa as pautas da corte.

Segundo Sérgio Sampaio, presidente da Associação Brasileirapreço das loteriasAssistência à Mucoviscidose (ABRAM), a Justiça é a única alternativa para muitos pacientes diante da demora dos governospreço das loteriasregularizar e incluir medicamentos na lista do SUS, e às vezes até mesmopreço das loteriasfornecer dispositivos assistenciais que claramente são obrigação do poder público.

É o caso do filhopreço das loteriasSampaio, hoje com 30 anos e portador da mucoviscidose (doença rara conhecida também como fibrose cística, que causa o acúmulopreço das loteriassecreções no pulmão epreço das loteriasoutras partes do corpo, levando a graves problemas respiratórios e digestivos). Ele tem conseguido antibióticos importados ainda sem registro na Anvisa graças a um Termopreço das loteriasAjustamentopreço das loteriasConduta entre o Ministério Público e o governo do Paraná.

A doença é desafiadora, pois torna os pacientes vulneráveis a infecções, eventualmente levando a uma ampla resistência aos antibióticos existentes.

"Quem paga o preço da criminalização da judicialização são as doenças raras. Isso pela gravidade destas doenças, pela dificuldadepreço das loteriasdiagnóstico e pelo preço das drogas, que por vezes são muito restritas. É muito fácil o Estado falar dos milhões que gasta, sem garantir tratamentos", aponta o presidente da ABRAM.

Para ele, a "criminalização da judicialização", ou seja, o argumentopreço das loteriasque tais processos são danosos aos cofres públicos, é um discurso que ataca a "população que exerce o direito sagrado à vida". "Você não vai ficarpreço das loteriasbraços cruzados vendo um filho, uma mãe ou um pai sucumbindo", diz Sampaio.

Manifestantes protestampreço das loteriasfrente ao STFpreço das loterias2016
Legenda da foto, Manifestantes protestampreço das loteriasfrente ao STFpreço das loterias2016; expectativapreço das loteriastornopreço das loteriasjulgamento na corte é alta

Em nota, o Ministério da Saúde assegurou que a pasta "cumpre o prazo legal para avaliação e incorporação"preço das loteriasmedicamentos ofertados gratuitamente aos brasileiros.

"A atual gestão já incorporou importantes tecnologias ao SUS, como o Dolutegravir (utilizado no tratamentopreço das loteriasHIV) e o 4preço das loterias1 (Veruprevir, Ritonavir, Ombitasvir e Dasabuvir), utilizado no tratamentopreço das loteriashepatite C", afirmou a pasta.

"Além disso, a nova Relação Nacionalpreço das loteriasMedicamentos Essenciais - Rename 2017, que define os medicamentos que devem atender às necessidadespreço das loteriassaúde prioritárias da população no SUS, conta com 869 itens, contra 842 da ediçãopreço das loterias2014."

Descompasso entre os governos e a Justiça

Diferente do caso das doenças raras citado por Sampaio, boa parte das demandas judiciais relacionadas à saúde recorrem a remédios para doenças crônicas que têm similares no sistema públicopreço das loteriassaúde ou que podem não ter tido a eficácia reconhecida por autoridades brasileiras.

É o que tem acontecidopreço das loteriasSão Paulo. Segundo o estudopreço das loteriasChieffi, entre os medicamentos mais demandados entre 2010 e 2014, os dois no topo da lista são as insulinas glargina e asparte (somando 5,3 mil processos). Ambas já haviam tido a inclusão no SUS negada pelo Ministério da Saúde - que concluiu não haver comprovaçãopreço das loteriasque esses tratamentos seriam superiores aos já disponibilizados ao público. Posteriormente, a insulina asparte foi incorporada.

"Essas insulinas que são demandadas são tão boas quanto as disponibilizadas pelo SUS. Apesarpreço das loteriasdarem mais conforto para o paciente, elas não são custo-efetivas. A Justiça não está levandopreço das loteriasconta as evidências científicas e um sentidopreço das loteriaspolítica pública", aponta Chieffi, acrescentando que a demanda judicial por insulina é muito comumpreço das loteriasdiversos Estados, apesar da assistência dada pelos governos a diabetes ser razoavelmente satisfatória.

"Esse tipopreço das loteriasdemanda desorganiza a política pública. Mas não sou contra a judicialização: ela nem sempre é ruim", ressalta a pesquisadora, para quem,preço das loteriastodo este cenário, "os pacientes estão no seu direito: precisandopreço das loteriasmedicamentos".

Segundo a pesquisapreço das loteriasChieffi, dos 20 medicamentos mais demandados no Estadopreço das loteriasSão Paulopreço das loterias2010 a 2014, somente quatro não tinham algum tratamento similar no SUS.

O TCU também apontou para o descompasso entre as avaliações da Justiça e dos governos. Segundo o relatório do tribunal, sensibilizados pela históriapreço das loteriasdoença da pessoa que pede remédios na Justiça, os magistrados frequentemente desconsideram o custo-efetividadepreço das loteriassua decisão - ou seja, a alocaçãopreço das loteriasrecursos que, idealmente, possam contribuir muito para a condiçãopreço das loteriassaúdepreço das loteriasmuitas pessoas.

De acordo com o documento, um "aspecto preocupante" é a interpretação, pelo Poder Judiciário, da saúde "como um direito absoluto".

Profissional da saúde observa realizaçãopreço das loteriastomografia
Legenda da foto, Documento do TCU destaca que é preciso considerar custo-efetividadepreço das loteriastratamentos financiados com dinheiro público | Foto: Camila Souza/GOVBA

Um bom exemplo

Mas, segundo Sampaio, a judicialização pode ampliar o direito à saúde na medidapreço das loteriasque o Executivo observa as tendências do que é demandado nos tribunais - chegando a um modelo parecido com os tratamentos para a Aids hoje, com compraspreço das loteriasremédios e tratamentos centralizados e organizados, polospreço das loteriastratamento que são referência e cadastropreço das loteriaspacientes.

Curiosamente, a revisão bibliográfica feita pela auditoria do TCU mostra que a reinvindicação por tratamentos para a Aids foi talvez um dos primeiros marcos da judicialização da saúde no Brasil, ainda na décadapreço das loterias1990 - hoje, demandas na Justiça por tratamentos para a doença estão longe das carências mais solicitadas.

"A judicialização poderia estar norteando o Executivo", sugere Sampaio.

Apesarpreço das loteriasdefender o acesso à Justiça como um direito, o presidente da ABRAM reconhece que a judicialização tem um lado prejudicial também para os pacientes: "Mesmo com uma decisão favorávelpreço das loteriasum juiz, ela pode ser reformada a qualquer momentopreço das loteriasinstâncias seguintes, ainda que tenha cumprido todos os requisitos, como uma perícia comprovando a necessidade do tratamento".

Citada por Sampaio, a possibilidadepreço das loteriasuma decisão a favor do paciente ser derrubadapreço das loteriasinstâncias superiores tem como exemplo extremo os dois recursos extraordinários que esperam julgamento no Supremo. Em um deles, o governo do Rio Grande do Norte questiona a obrigaçãopreço das loteriasfinanciar medicamento não listado pelo SUS a uma paciente;preço das loteriasoutro, o Estadopreço das loteriasMinas Gerais contesta a obrigaçãopreço das loteriasfornecer um remédio não registrado pela Anvisa.

Em 2016, o início do julgamento mobilizou diversos grupospreço das loteriaspacientes com doenças raras e a opinião pública, mas a pautapreço das loteriasplenário foi interrompida no finalpreço das loteriassetembro por um pedidopreço das loteriasvista pelo ministro Teori Zavascki - morto três meses depois.

Sampaio teme pela decisão da corte - segundo ele, pode ser decretada uma "eugenia" caso o STF negue o direito a remédios não listados pelo SUS e Anvisa. "Temo pela decisão do STF. Pode ser decretada a mortepreço das loteriasmuitas pessoas", diz.

A sede do STF
Legenda da foto, Julgamento no STFpreço das loteriasrecursos relacionados à judicialização da saúde está parado há um ano | Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

Ao mesmo tempo, Sampaio afirma que a demora para que o julgamento seja retomado também é prejudicial, uma vez que as instâncias inferiores aguardam a definição do Supremo. Segundo dados obtidos pelo TCU, há pelo menos 22,9 mil processos paralisadospreço das loteriasinstâncias inferiores à espera da decisão sobre os dois recursos no STF.

Por outro lado, procuradorespreço das loteriasdiversos Estados que são parte nos processos defenderam, nas sessõespreço das loteriasjulgamento ocorridaspreço das loterias2016, que os recursos que podem ser desviados por vias judicias para beneficiar uma pessoa, poderiam fazer muita falta na vidapreço das loteriasoutras.

"(...) Pensem Vossas Excelências: qual o interesse maior do Estado? Destinar milharespreço das loteriasreais para atender a um único cidadão, prestando-lhe medicamentopreço das loteriasalto custo, ou destinar essa mesma quantia a políticas básicaspreço das loteriassaúde, atendendo a centenaspreço das loteriascidadãos?", diz um trecho do recurso aberto pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Norte.

"É preciso fazer uma reflexão séria e isenta a respeito do assunto, visto que a emoçãopreço das loteriasver um pedido muitas vezes legítimo tem levado ao esvaziamento dos cofres públicos destinados às políticas e ações sociaispreço das loteriassaúde", conclui.