A brasileira que sequestrou um avião acompanhada7casinodois filhos pequenos durante a ditadura:7casino

Marília Guimarães com os filhos Eduardo e Marcelo ao seu lado7casinoCuba

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Marília vivia há um ano na clandestinidade com os dois filhos quando participou7casinosequestro

"Quando você já está no perigo, tem uma força que nem sabe7casinoonde vem", explica. "É como parir: chegou a hora, vai doer, mas não tem outro jeito."

A bagunça que os meninos faziam no saguão do aeroporto era tanta que acabou concentrando a atenção7casinopoliciais e funcionários do aeroporto. O embarque ocorreu sem nenhum problema - na época, não havia detector7casinometais no terminal7casinoMontevidéu.

"Ironicamente, os policiais estavam tomando conta das crianças", lembra Marília.

Além dela e das duas crianças, embarcaram Cláudio Galeno7casinoMagalhães Linhares, o primeiro marido da ex-presidente Dilma Rousseff, James Allen da Luz, o comandante da ação, Athos Magno Costa e Silva, Isolde Sommer e Luiz Alberto da Silva.

Enquanto os passageiros ajeitavam as bagagens e se sentavam, Marília distribuiu as armas entre os companheiros. Assim que o avião levantou voo, o sequestro foi anunciado. "Vamos para Cuba", asseverou James, lendo,7casinoseguida, um manifesto político,7casinoque explicava os motivos da ação.

O que os guerrilheiros não sabiam era que aquela aeronave estava com uma turbina defeituosa e só tinha autonomia7casinocombustível para duas horas7casinovoo, o que complicaria muito os planos7casinopousar na ilha7casinoFidel Castro ainda naquele dia.

'Só pensava7casinoChe Guevara'

Reportagem sobre sequestro do Caravelle

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Ação7casinoguerrilheiros foi notícia nos principais jornais nacionais e internacionais

Formada7casinoLetras, Marília era dona7casinouma escola no bairro7casinoCoelho Neto, no subúrbio do Rio, perto da Favela7casinoAcari. Embora o colégio7casinofato atendesse 800 alunos, entre eles muitos bolsistas da comunidade carente próxima, ele também servia7casinofachada para reuniões clandestinas da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e para fazer cópias7casinopanfletos políticos no mimeógrafo.

As coisas começaram a fugir do controle quando o equipamento, na época das férias escolares, foi levado para a casa7casinoum companheiro que acabou sendo preso7casinofevereiro7casino1969. Os militares não levaram muito tempo para ligar o mimeógrafo à escola, exigindo explicações.

Marília chegou a ser presa por 72 horas e interrogada ininterruptamente.

"Eu só pensava7casinoChe Guevara", ela lembra. "Pedia forças a ele para não fraquejar, para não deixar que os militares vissem a verdade nos meus olhos."

Acabou sendo liberada. Sozinha, com dois meninos pequenos para criar e correndo o risco7casinoser presa novamente a qualquer momento, ela decidiu abandonar tudo e cair na clandestinidade.

"Eu e as crianças dormíamos cada dia7casinoum lugar diferente, dentro7casinocarros, na estrada, na favela, na casa dos outros", relembra. "A única solução era sair do país, mas eu sabia que era quase impossível; não tinha documentos, não tinha passaporte, era procurada7casinotudo o que é lugar e era um alvo fácil: uma mulher com duas crianças."

"Eles (os guerrilheiros) viviam7casinodesespero político e psicológico diante tanto das questões políticas quanto das humanas, com os companheiros presos, sendo torturados", explica o historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio7casinoJaneiro (UFRJ).

"E a opção7casinocair na clandestinidade é muito definitiva, você abandona7casinocasa, seus parentes, pai, mãe, amigos, e vive na iminência7casinoser preso, é uma opção muito dramática na vida."

O plano

Depois7casinoquase um ano, o VPR determinou que era hora7casinotirá-la do Brasil a qualquer custo. O plano era, com a ajuda dos tupamaros, um grupo guerrilheiro do Uruguai, sequestrar um avião7casinopassageiros7casinoMontevidéu e seguir para Cuba.

Reportagem sobre sequestro do Caravelle

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, História é recontada no livro 'Clandestinidade, sequestro e exílio'

O sequestro7casinoaviões foi uma arma muito utilizada naquele período7casinorecrudescimento da ditadura, bem como o7casinodiplomatas estrangeiros. O objetivo era forçar a libertação7casinocompanheiros presos e torturados, dar fuga aos perseguidos políticos e, claro, chamar a atenção do mundo para o que acontecia no país.

"Sequestros7casinodiplomatas e aviões foram atitudes desesperadas numa fase7casinoque a própria luta armada não seria mais vitoriosa; resistia por inércia revolucionária e para libertar seus companheiros", explica Carlos Fico.

Vale recuperar o contexto histórico da época,7casinoque uma ditadura violenta, como todas as ditaduras, exercia a tortura como política7casinoEstado, nas palavras do historiador Daniel Aarão Reis, professor7casinoHistória Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).

"Do outro lado, um pequeno conjunto7casinoguerrilheiros imaginando, equivocadamente, que a sociedade era um barril7casinopólvora e que a eles competia acionar a faísca para que a 'pradaria' (uma metáfora maoísta para a sociedade) 'se incendiasse'. Nessas condições, era legítimo, sem dúvida, disferir ações armadas contra um poder que se baseava na força bruta", afirma.

Nos dias que antecederam ao sequestro, o grupo se reuniu7casinoPorto Alegre,7casinoonde seguiria7casinocarro até o Uruguai. Enquanto os guerrilheiros repassavam os últimos detalhes do plano, os dois filhos7casinoMarília ficaram aos cuidados7casinoDilma Rousseff, cujo marido também participava da ação.

"A Dilma é uma mulher muito especial", conta Marília.

"Meus filhos, que nunca tinham se separado7casinomim, passaram 15 dias com ela. E ela era uma mulher muito nova, que, teoricamente, nem sabia lidar com crianças. Mas ela deu a eles uma estabilidade emocional tão forte, carinho, cuidados, que eles nunca tiveram problemas. As pessoas dizem que ela tem um olhar duro, mas não é verdade. Ela é uma mulher7casinouma ternura absurda."

Manchete ao redor do mundo

Sem autonomia7casinovoo para ir muito longe, o Caravelle teve que fazer seu primeiro pouso7casinoabastecimento7casinoBuenos Aires, ainda que a contragosto das autoridades argentinas que tentaram, sem sucesso, impedir a decolagem do avião. A parada serviu também para que a imprensa internacional fosse informada do sequestro e da presença7casinouma guerrilheira com duas crianças a bordo.

"O mundo todo ficou sabendo que eu estava no avião com duas crianças", conta Marília. "Foi o que salvou nossas vidas."

Na madrugada7casino27casinojaneiro, o Caravelle pousou7casinoAntofagasta, no norte do Chile, para o segundo reabastecimento. O clima no país governado pelo socialista Salvador Allende era favorável às causas guerrilheiras brasileiras, e os tripulantes puderam abastecer com tranquilidade e ainda receber comida e jornais.

A recepção seria muito diferente7casinoLima, no Peru, próxima parada7casinoreabastecimento do Caravelle. Assim que pousou no Aeroporto Jorge Chávez, o avião foi cercado por militares peruanos. A ordem do presidente do país, o general Velasco Alvarado, era7casinonegociar a todo custo uma rendição, vencendo os sequestradores pelo cansaço.

Àquela altura, no dia 37casinojaneiro, a ação dos brasileiros já era manchete nos principais jornais do mundo, e o aeroporto também estava apinhado7casinojornalistas e políticos. O reabastecimento foi autorizado, mas as autoridades tinham uma proposta para os sequestradores: eles dariam asilo político para Marília e os filhos e,7casinotroca, todos os reféns deveriam ser liberados.

"Não aceitei, lógico", diz Marília. "Eles invadiriam o avião com meus companheiros lá dentro."

Certificados7casinonacionalidade7casinoMarília e filhos

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Família retornou ao Brasil apenas7casino1980 após a promulgação da Lei da Anistia

Além do embate diplomático, um grave problema técnico ameaçava a partida do avião para Cuba. Uma pane elétrica impedia o acionamento da turbina direita e do sistema7casinorefrigeração. Baterias trazidas da Colômbia eram muito velhas e não resolveram o problema do acionamento do motor.

Depois7casinomuita negociação e vários momentos7casinotensão, baterias mais modernas foram trazidas do Chile. Finalmente, após 27 horas7casinoLima, o avião foi autorizado a seguir viagem para o Panamá.

"Eu passava o tempo todo com as crianças, contando histórias para elas, tentando distraí-las", relembra Marília. "De maneira alguma me arrependo7casinonada, acho que tudo foi feito no momento certo, no lugar certo. E acho que o Cosmos estava torcendo por nós."

Mais tensão

A nova parada foi igualmente tensa. Um coronel do Exército brasileiro estava no aeroporto panamenho e tentou convencer o tripulante que desembarcou para reabastecer a aeronave a voltar a bordo com uma arma e atirar no primeiro guerrilheiro que visse, criando condições para uma invasão. A proposta não foi aceita.

Mas não foi só. A turbina direita voltou a dar problema e, mais uma vez, precisou7casinovárias baterias para ser acionada. Como se não bastasse, o Caravelle necessitava7casinoum lubrificante para turbinas que, aparentemente, estava7casinofalta no Panamá.

Finalmente, depois7casinocinco horas, o avião partiu para Havana.

Marília Guimarães

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Legenda da foto, 'Não me arrependo do caminho que escolhi na vida', diz a ex-guerrilheira

A viagem final durou cerca7casinoduas horas e, por muito pouco, o avião não sofreu uma pane. Sem lubrificante, uma das turbinas ameaçava parar a qualquer instante. Ainda assim, conseguiu pousar7casinosegurança no Aeroporto José Martí.

"Cheguei7casinoHavana quase delirando", lembra Marília. "Passei a maior parte do tempo sem comer nem beber praticamente nada, por medo7casinoenvenenamento. Tampouco dormia, por causa das crianças."

Um grupo7casinooficiais cubanos logo entrou no Caravelle perguntando quem era a mulher com os dois filhos. Carlos Lamarca, um dos chefes do VPR, tinha mandando uma carta para Fidel Castro pedindo atenção especial a Marília.

Ela viveria por dez anos7casinoCuba com os filhos, antes7casinovoltar para o Brasil,7casino1980, depois da Lei da Anistia. As histórias estão no primeiro livro7casinoMarília lançado no Brasil, Habitando o tempo. Clandestinidade, sequestro e exílio, que chega às livrarias nesta semana.

"O Candomblé diz que existem 256 caminhos para a vida. Eu escolhi um deles, e não me arrependo."