Como as raízes do Cerrado levam água a torneirasbig bamboo casinotodas as regiões do Brasil:big bamboo casino

  • João Fellet - @joaofellet
  • Da BBC Brasilbig bamboo casinoBrasília
Chapada dos Veadeiros

Crédito, Nelson Yoneda/ICMBio

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Plantas do cerrado atuam como uma imensa esponja, recarregando aquíferos que abastecem rios e reservatórios

big bamboo casino O rio São Francisco está secando, haverá cada vez menos águabig bamboo casinoBrasília e a cidadebig bamboo casinoSão Paulo terábig bamboo casinoaprender a conviver com racionamentos.

O alerta é do arqueólogo e antropólogo baiano Altair Sales Barbosa, que há quase 50 anos estuda o papel do Cerrado na regulaçãobig bamboo casinograndes rios da América do Sul.

Ele diz à BBC Brasil que a rápida destruição do bioma está golpeando um dos pilares do sistema: a gigantesca redebig bamboo casinoraízes que atua como uma esponja, ajudando a recarregar os aquíferos que levam água a torneirasbig bamboo casinotodas as regiões do Brasil.

Formadobig bamboo casinoantropologia pela Universidade Católica do Chile, doutorbig bamboo casinoarqueologia pré-histórica pelo Museubig bamboo casinoHistória Naturalbig bamboo casinoWashington e professor aposentado da PUC-Goiás, Barbosa conta que a água que alimenta o São Francisco e as represasbig bamboo casinoSão Paulo e Brasília vembig bamboo casinotrês grandes depósitos subterrâneos no Cerrado: os aquíferos Guarani, Urucuia e Bambuí.

Os aquíferos são reabastecidos pela chuva, mas dependem da vegetação para que a água chegue lá embaixo.

Barbosa afirma que muitas plantas do Cerrado têm só um terçobig bamboo casinosua estrutura acima da superfície e, para sobreviver num ambiente com solo oligotrófico (pobrebig bamboo casinonutrientes), desenvolveram raízes profundas e bastante ramificadas.

"Se você arrancar uma dessas plantas, vai contar milhares ou até milhõesbig bamboo casinoraízes, e quando cortar uma raiz e levá-la ao microscópio, verá inúmeras outras minirraízes que se entrelaçam com asbig bamboo casinooutras plantas, formando uma espéciebig bamboo casinoesponja."

Esse complexo sistema radicular retém água e alimenta as plantas na estação seca. Graças a ele, as árvores do Cerrado não perdem as folhas mesmo nem mesmo no auge da estiagem - diferentemente do que ocorre entre as espécies do Semiárido, por exemplo.

Barbosa conta que, quando há excessobig bamboo casinoágua, as raízes agem como esponjas encharcadas, vertendo o líquido não absorvido para lençóis freáticos no fundo. Dos lençóis freáticos a água passa para os aquíferos.

O professor diz que essa dinâmica começou a ser afetada radicalmente nos anos 1970, com a expansão da pecuária ebig bamboo casinograndes plantaçõesbig bamboo casinogrãos e algodão pelo Cerrado.

A nova vegetação tem raízes curtas e não consegue transportar a água para o fundo.

Pior: entre a colheita e o replantio, as terras ficam nuas, fazendo com que a água da chuva evapore antesbig bamboo casinopenetrar o solo. Em alguns pontos do Cerrado, como no entornobig bamboo casinoBrasília, o usobig bamboo casinoágua subterrânea para a irrigação prejudica ainda mais a recarga dos aquíferos.

Em fevereiro, Brasília começou a racionar água pela primeira vez na história - e meses antes do início da temporada seca.

Migraçãobig bamboo casinonascentes

Conforme os aquíferos deixarambig bamboo casinoser plenamente recarregados, Barbosa diz que se acelerou na região um fenômeno conhecido como migraçãobig bamboo casinonascentes.

Para explicar o processo, ele recorre à imagembig bamboo casinouma caixa d'água com vários furos. Quando diminui o nível da caixa d'água, o líquido deixabig bamboo casinojorrar dos furos superiores.

Com os aquíferos ocorre o mesmo: se o nívelbig bamboo casinoágua cai, nascentesbig bamboo casinoáreas mais elevadas secam.

Reserva Extrativistabig bamboo casinoRecanto das Ararasbig bamboo casinoTerra Ronca

Crédito, ICMBio

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Especialista afirma que, quando há excessobig bamboo casinoágua, as raízes agem como esponjas encharcadas

Ele diz ter presenciado o fenômeno num dos principais afluentes do São Francisco, o rio Grande, cuja nascente teria migrado quase 100 quilômetros a jusante desde 1970.

O mesmo se deu, segundo Barbosa, nos chapadões no oeste da Bahia ebig bamboo casinoMinas Gerais: com a retirada da cobertura vegetal, vários rios que vertiam água para o São Francisco e o Tocantins sumiram.

O professor diz que a perdabig bamboo casinoafluentes reduziu o fluxo dos rios e baixou o nívelbig bamboo casinoreservatórios que abastecem cidades do Nordeste, Centro-Oeste e Norte.

Em 2017, segundo a Secretaria Nacionalbig bamboo casinoProteção e Defesa Civil (Sedec), o númerobig bamboo casinomunicípios brasileirosbig bamboo casinosituaçãobig bamboo casinoemergência causada por longa estiagem chegou a 872, a maioria no Nordeste.

Jábig bamboo casinoSão Paulo as chuvasbig bamboo casinoverão aumentaram os níveis das represas e afastaram no curto prazo o riscobig bamboo casinoracionamento. Mas Barbosa afirma que a maioria dos rios que cruza o Estado é alimentada pelo aquífero Guarani, cujo nível também vem baixando.

O aquífero abastece toda a Bacia do Paraná, que se estende do Mato Grosso ao Rio Grande do Sul, englobando ainda partes da Argentina, Paraguai e Uruguai.

Fotografia do passado

Bastaria então replantar o Cerrado para garantir a recarga dos aquíferos?

A solução não é tão simples, diz o professor. Ele conta que o Cerrado é o mais antigo dos biomas atuais do planeta, tendo se originado há pelo menos 40 milhõesbig bamboo casinoanos.

Segundo ele, olhar para o Cerrado é como olhar para uma fotografia do passado.

Parque das Emas

Crédito, Rubens Matsushita, ICMBio

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Secretaria Nacionalbig bamboo casinoProteção e Defesa Civil aponta que 872 cidades ficarambig bamboo casinosituaçãobig bamboo casinoemergência por causa da estiagembig bamboo casino2017

"O Cerrado já atingiu seu clímax evolutivo e precisa, para o seu desenvolvimento,big bamboo casinouma sériebig bamboo casinofatores que já não existem mais."

Ele exemplifica: há plantas do Cerrado que só são polinizadas por um ou outro tipobig bamboo casinoabelhas ou vespas nativas, várias das quais foram extintas pelo usobig bamboo casinoagrotóxicos nas lavouras. Essas plantas poderão sobreviver, mas não serão mais capazesbig bamboo casinose reproduzir.

O Cerrado também é uma espéciebig bamboo casinomuseu porque muitasbig bamboo casinosuas plantas levam séculos para se desenvolver e desempenhar plenamente suas funções ecológicas. É o caso dos buritis, uma das árvores mais famosas do bioma, que costuma brotarbig bamboo casinobrejos e cursos d'água.

Barbosa costuma dizer que, quando Cabral chegou ao Brasil, os buritis que vemos hoje estavam nascendo.

Mesmo plantasbig bamboo casinopequeno porte costumam crescer bem lentamente. O capim barba-de-bode, por exemplo, leva maisbig bamboo casinomil anos para atingirbig bamboo casinomaturidade. Barbosa diz ter medido as idades das espécies com processosbig bamboo casinodataçãobig bamboo casinolaboratório.

Parceria com animais

Sabe-se hoje da existênciabig bamboo casinocercabig bamboo casino13 mil tiposbig bamboo casinoplantas no Cerrado, número que o torna um dos biomas mais ricos do mundo. Dessas espécies, segundo o professor, não mais que 200 podem ser produzidasbig bamboo casinoviveiros.

Ele conta que a ciência ainda não consegue reproduzirbig bamboo casinolaboratório as complexas interações entre os elementos do bioma, moldadas desde a era Cenozoica.

Barbosa diz, por exemplo, que muitas plantas do Cerrado têm sementes que são ativadas apenasbig bamboo casinosituações bem específicas. Algumas delas só têm a dormência quebrada quando engolidas por certos mamíferos e expostas a substâncias presentesbig bamboo casinoseus intestinos.

Há ainda sementes que precisam do fogo para germinar. Contrariando o senso comum, Barbosa diz que incêndios naturais são essenciais para a sobrevivência do Cerrado e podem ocorrerbig bamboo casinoduas formas.

Chapada dos Veadeiros

Crédito, Marcelo Camargo, Agência Brasil

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O Cerrado tem hoje cercabig bamboo casino13 mil tiposbig bamboo casinoplantas, número que o torna um dos biomas mais ricos do mundo

Uma delas se dá quando blocosbig bamboo casinoquartzo hialino, um tipobig bamboo casinocristal, agem como lentes que concentram a luz do sol, superaquecendo a vegetação.

A outra ocorre pela interação entre algumas plantas e animais do Cerrado, entre os quais a raposa, o lobo-guará, o tamanduá-bandeira e o cachorro-do-mato-vinagre.

Segundo Barbosa, esses mamíferos carregam no pelo uma carga eletromagnética que,big bamboo casinocontato com gramíneas secas, provoca faíscas.

O professor diz que o fogo é necessário não só para ativar sementes, mas para permitir que gramíneas secas, que não têm qualquer função ecológica, sejam substituídas por plantas novas.

"Se a gramínea seca fica ali, não tem como rebrotar, então é preciso dessa lambidabig bamboo casinofogo natural pra limpar aquele tufo."

Os incêndios também são importantes, segundo ele, para que o solo do Cerrado continue pobre - afinal, foi nesse solo que o bioma se desenvolveu.

"O fogo é paradigma para quem pensa na preservação. Se você pensa como agrônomo, o fogo é nocivo, porque acentua o oligotrofismo do solo."

Estancar os danos

Quando deixabig bamboo casinohaver incêndios naturais, os animais e insetos nativos desaparecem e as plantas do Cerrado são derrubadas, é quase impossível reverter o estrago, diz Barbosa.

Mesmo assim, ele defende preservar toda a vegetação remanescente para estancar os danos.

Barbosa diz torcer para que, um dia, a ciência encontre formasbig bamboo casinorecuperar o bioma.

Cachoeira Véu da Noiva, na Chapada dos Guimarães

Crédito, Sedec/MT

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Especialista diz que incêndios naturais são essenciais para a sobrevivência do Cerrado

"Claro que você não vai reocupar toda a área que está produzindo [alimentos], mas você pode pelo menos tentar amenizar a situação nas áreasbig bamboo casinorecargabig bamboo casinoaquíferos."

Sua preocupação maior é com a fronteira agrícola conhecida como Matopiba, que engloba os últimos trechosbig bamboo casinoCerrado no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Nos últimos anos, a região tem experimentado uma forte expansão na produçãobig bamboo casinogrãos e fibras.

"Se esse projeto continuar avançando, será o fim: aí podemos desacreditar qualquer possibilidade, porque não teremos nem matriz para experiênciasbig bamboo casinolaboratório."

Nesse cenário, diz Barbosa, os aquíferos do Cerrado rapidamente se esgotarão.

"Os rios vão desaparecer e, consequentemente, vai desaparecer toda a atividade humana da região, a começar das atividades agropastoris."

"Teremos uma convulsão social", ele prevê.

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