Por que a obrabets sportJoão do Rio, apesarbets sportsua enorme popularidade, caiu no esquecimento?:bets sport

“A notícia espalhou-se pela noite carioca como uma epidemia”, escreveu o jornalista João Carlos Rodrigues na biografia João do Rio – Vida, Paixão e Obra (Civilização Brasileira, 2024).

O corpobets sportJoão do Rio foi levado para a sede do jornal que ele fundoubets sport1920. O cadáver foi embalsamado e vestido com o fardão da Academia Brasileirabets sportLetras (ABL).

Apesarbets sportter sido eleito para a cadeira 26bets sport1910, não frequentava a instituição desde 1919, quando Humbertobets sportCampos (1886-1934), um antigo desafeto, tornou-se acadêmico.

Por essa razão,bets sportmãe doou a biblioteca do filho para o Real Gabinete Portuguêsbets sportLeitura.

Assim como seu corpo não foi velado na ABL, também não foi sepultado no mausoléu da instituição.

Desavenças à parte, a popularidadebets sportJoão do Rio era tanta que, segundo estimativas da época, 100 mil pessoas compareceram ao seu enterro no São João Batista,bets sportBotafogo.

“Nessa época, o Rio tinha 400 mil habitantes”, estima Rodrigues. “Um quarto da população compareceu ao cemitério para prestarbets sportúltima homenagem”. A títulobets sportcomparação, o funeralbets sportGetúlio Vargas (1882-1954) atraiu 300 mil pessoas.

De luto pela mortebets sportJoão do Rio, os teatros suspenderam as sessões e o comércio não abriu suas portas.

“Os taxistas ofereceram corridas gratuitas para quem morava no subúrbio chegar até o velório”, observa a jornalista e editora Graziella Beting, organizadora do livrobets sportcrônicas Gente às Janelas (Carambaia, 2024).

O funeral atraiu tanto anônimos, como ambulantes, estivadores e prostitutas, quanto famosos, como políticos, escritores e socialites.

Só ex-presidentes da República, foram dois: Hermes da Fonseca (1855-1923) e Nilo Peçanha (1867-1924). Quem não pôde ir passou telegramabets sportpêsames ou mandou coroabets sportflores.

Ostracismo literário

Apesarbets sportsua enorme popularidade, a obrabets sportJoão do Rio logo caiubets sportesquecimento. Solteiro, não deixou filhos. Mas, deixou um acervobets sport2,5 mil textos, entre crônicas, contos e romances.

Em 1912, teve umabets sportsuas peças, A Bela Madame Vargas, encenada no Municipal. A obra escandalizou o público ao mostrar uma inédita cenabets sportbeijo.

“Era considerado imoral. Um verdadeiro tabu”, define Orna Messer Levin, doutorabets sportTeoria Literária pela Universidade Estadualbets sportCampinas (Unicamp) e organizadora da antologiabets sportcontos João do Rio (Editora Nacional, 2010). “Mais um traço do pioneirismobets sportJoão do Rio”.

A memória do jornalista e escritor começou a ser resgatadabets sport1978 quando Raimundo Magalhães Júnior (1907-1981), outro imortal da academia, escreveubets sportprimeira biografia, A Vida Vertiginosabets sportJoão do Rio.

Hoje, o autorbets sportA Alma Encantadora das Ruas (1908),bets sportobra mais famosa, é homenageado na 22ª edição da Festa Literária Internacionalbets sportParaty (Flip), a mais importante do Brasil.

“Imagino que ele tenha ficado tanto tempo sem ser lido pelo próprio gênerobets sportque escrevia – a crônica costuma ser tratada como um gênero menor – e porque não deixou herdeiros para levar adiante seu legado”, arrisca Ana Lima Cecilio, curadora do evento.

Há outras hipóteses para o fatobets sportJoão do Rio ser menos lido do que algunsbets sportseus contemporâneos, como Machadobets sportAssis (1839-1908) e Lima Barreto (1881-1922).

“Durante muito tempo, não esteve nos livros didáticos e nas aulasbets sportliteratura, as duas principais portasbets sportentrada da leitura no Brasil”, afirma Fabiano Ormaneze, doutorbets sportLinguística pela Unicamp e autor do volume dedicado a João do Rio da coleção infantojuvenil Black Power da Editora Mostarda.

“A segunda razão é que, sendo mais conhecido como jornalista, a obrabets sportJoão do Rio nem sempre esteve no cânone literário. Romances como Memórias Póstumasbets sportBrás Cubas (1881 - Machadobets sportAssis) e Triste Fimbets sportPolicarpo Quaresma (1915 - Lima Barreto) têm larga trajetóriabets sportaclamação pela crítica”.

“Apagamento histórico”

Ao longobets sportsua curta trajetória, João do Rio sofreu incontáveis ataques por ser gordo, pardo e homossexual.

Em 1902, tentou a carreira diplomática, mas foi rejeitado pelo Barão do Rio Branco (1845-1912).

“Por ser gorducho e amulatado, estava bem distante do tipo garboso preferido pelo chanceler”, descreve Rodrigues embets sportbiografia.

Apesar dos ataques racistas e homofóbicos, não foi o preconceito ou a discriminação os responsáveis pelo seu “apagamento histórico”.

“Houve quem criticasse o que João do Rio escrevia. Não era unanimidade. Para muitos, era considerado pré-moderno”, observa a historiadora Tânia Reginabets sportLuca, doutorabets sportHistória Social pela Universidadebets sportSão Paulo (USP) e organizadora do volume O Momento Literário (Rafael Copetti Editorial, 2019).

“Os autores modernistas e os críticos paulistanos estavam mais interessadosbets sportpromover a ideiabets sportvanguarda. Neste sentido, o Riobets sportJaneiro da Belle Époque foi entendido como ‘atrasado’”, endossa Giovanna Dealtry, doutorabets sportLiteratura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Riobets sportJaneiro (PUC-Rio) e organizadora do volumebets sportcrônicas Vida Vertiginosa (José Olympio, 2021).

“Uma literatura que, com exceçãobets sportLima {Barreto} e Euclides da Cunha (1866-1909), não pensava no Brasil. Como vemos, um grande erro”.

Pouco maisbets sportum século depoisbets sportsua morte, João do Rio volta às livrarias. A começar pela biografiabets sportJoão Carlos Rodrigues, publicada pela última vezbets sport2010.

“Teve a coragembets sportafrontar a sociedade com ideias moderníssimas. À frentebets sportseu tempo, defendeu, entre outras pautas, o voto feminino e o divórcio”, ilustra.

Outros títulos, como A Alma Encantadora das Ruas, Pavor Dentro da Noite e Memóriasbets sportUm Ratobets sportHotel, também ganharam novas edições da José Olympio, Antofágica, Carambaia, Bandeirola e Elo.

“A redescoberta tardia da obrabets sportJoão do Rio tem algumas vantagens. Está sendo lido por prazer e não por obrigação”, afirma Ormaneze.

De repórter a diretor

João do Rio é o pseudônimo mais famosobets sportJoão Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto. Era filhobets sportAlfredo Coelho Barreto, um professorbets sportmatemática gaúcho, e Florência dos Santos Barreto, uma negra alforriada carioca, e irmãobets sportBernardo Gutemberg, dois anos mais novo.

Se Paulo Barreto, seu nomebets sportbatismo, nasceu no dia 3bets sportagostobets sport1881, no sobradobets sportnúmero 284 da Rua do Hospício, atual Rua Buenos Aires, João do Rio, seu alter-ego, nasceu na redação do jornal Gazetabets sportNotícias no dia 26bets sportnovembrobets sport1904. Houve outros, porém: X, Joe, Claude, João Coelho, José Antônio José...

A inspiração para o pseudônimo famoso veio da França. Napoléon-Adrian Marx (1837-1906) assinavabets sportcoluna no Le Figaro como Jeanbets sportParis. “De Jeanbets sportParis para João do Rio foi um pulo”, brinca Rodrigues.

Na infância, Paulo Barreto estudou no Colégio São Bento e, na adolescência, no Ginásio Nacional, atual Colégio Pedro II.

Seu caçula,bets sportsaúde frágil, não conseguiu ir tão longe – morreu precocemente, aos 12 anos. Ainda no colégio, Paulo Barreto montou seu primeiro jornal, O Ensaio, com alguns colegasbets sportturma.

Seu primeiro trabalho, não por acaso, foibets sportum jornal: A Tribuna,bets sport1899. Seu primeiro texto foi uma crítica da peça Uma Casabets sportBonecas (1879), do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906).

“Viver da pena é difícil. Mas, João do Rio conseguiu ascender socialmente como jornalista. Não teve emprego público”, observa Tâniabets sportLuca.

“Em 1919, foi mandado para a Europa, como correspondente estrangeiro, para cobrir a Conferênciabets sportVersalhes pelo jornal O Paiz”. A viagem deu origem a três volumesbets sportcrônicas e reportagens.

João do Rio se distinguiu dos colegasbets sportprofissão por trocar a redação pela rua. Em vezbets sportescrever a matéria a partir do relatobets sportterceiros, se transformoubets sporttestemunha ocular da própria notícia.

“Foi o primeiro a visitar um terreirobets sportcandomblé, a assistir a uma rodabets sportsamba e a cobrir uma partidabets sportfoot-ball”, destaca a editora Beting.

Foi assim que nasceu, entre outras reportagens, As Religiões no Rio, uma série sobre diversidade religiosa publicada no jornal Gazetabets sportNotícias entre janeiro e marçobets sport1904.

O repórter entrevistou líderes religiosos, como evangélicos, judeus, espíritas, cartomantes e até um exorcista do Morro do Castelo!

Até 1889, data da Proclamação da República, era proibido praticar outra religião que não fosse a católica.

Em dezembrobets sport1904, a série foi transformadabets sportlivro e,bets sportapenas seis meses, vendeu oito mil exemplares. Um verdadeiro best-seller!

Outra série famosa assinada por João do Rio foi O Momento Literário. Publicada na Gazeta entre março e maiobets sport1905, trazia entrevistas, feitas por carta ou presencialmente, com 28 escritores.

Três anos depois, ao publicar o livro homônimo, João do Rio acrescentou mais oito sabatinas. Participaram do projeto, entre outros literatos, Aluísio Azevedo (1857-1913), Olavo Bilac (1865-1918) e Graça Aranha (1868-1931).

Outro diferencial do autor, apontado como um dos pais da crônica moderna, foi conciliar técnicas jornalísticas com recursos literários.

Em suas andanças pela capital federal, João do Rio se vestia como um autêntico dândi: fraque, cartola, bengala e monóculo.

Certa ocasião, ao entrarbets sportum teatro com um chamativo colete corbets sportcereja, ouviu um princípiobets sportvaia.

À época, o prefeito Pereira Passos (1836-1913) sonhava transformar o Rio numa espéciebets sport“Paris tropical”.

Duelobets sporttitãs

Diante da recusa do Barão do Rio Brancobets sportaceitá-lo no Itamaraty, João do Rio tentou uma vaga na ABL. Em 1905, perdeu para Heráclito Graça (1837-1914) por oito votos a 17; dois anos depois, desistiu da disputabets sportprol da candidaturabets sportArtur Jaceguai (1843-1914) e,bets sport1910, ganhoubets sportPereira Barreto (1840-1923) por 23 a cinco.

“Até hoje, João do Rio ostenta o títulobets sportser o mais jovem a ser eleito para a ABL”, afirma Ormaneze. “Não bastasse, foi também o primeiro a tomar posse usando o famoso fardão da academia”.

Humbertobets sportCampos não foi o único a trocar farpas com João do Rio. Seu desafeto mais famoso foi Lima Barreto. Ao escrever Recordações do Escrivão Isaías Caminha, Lima Barreto criou Raul Gusmão à imagem e semelhança do rival.

“A orientação sexualbets sportPaulo Barreto sempre gerou suspeita e troça por parte dos colegas. Talvez levado pela caçoada geral, Lima,bets sportvezbets sportpoupar o colega, incendiou ainda mais os termos: ‘mesclabets sportsuíno e símio’, ‘fisionomiabets sportporco Yorkshire’ e ‘corpo alentadobets sportelefante indiano’ são algumas das imagens que usa”, relata a historiadora e acadêmica Lilia Schwarcz na biografia Triste Visionário (Companhia das Letras, 2017).

Em 1908, ao viajar para Portugal, João do Rio deu o troco. Ao ser indagado por um livreiro lisboeta se já tinha ouvido falarbets sportum talbets sportLima Barreto ou, então,bets sportseu romance, Isaías Caminha, responde que não.

Dias depois, ao cruzar pelas ruas do Rio com Lima Barreto, abre um sorriso como se nada tivesse acontecido. “Que filho da p***!”, vociferou seu oponentebets sportcarta para Noronha Santos.

Quando João do Rio morreu, Lima Barreto até pensoubets sportse candidatar parabets sportvaga na ABL. Chegou a se inscrever, mas, dois meses depois, mudoubets sportideia.

“Talvez soubesse que jamais seria eleito”, especula Schwarczbets sportTriste Visionário. Lima Barreto morreubets sport1922, aos 41 anos, sem realizar o sonhobets sportingressar na instituição.

“Os 15 dias mais felizes da minha vida”

Para Rodrigues, suspeitava-se da homossexualidadebets sportJoão do Rio por três razões: morava com os pais; não tinha noiva (ou amante) e era fãbets sportOscar Wilde (1854-1900).

Entre outros títulos do escritor irlandês, traduziu para o português o romance O Retratobets sportDorian Gray (1890) e a peça Salomé (1891).

Jábets sportobesidade era frutobets sporthipotireoidismo. Isso explicaria, segundo seu biógrafo, o rosto inchado, os lábios espessos e o excessobets sportpeso.

“Ninguém é gordo por prazer”, queixou-se João do Rio. Por repetidas vezes, refugiou-sebets sportuma fazendabets sportPoçosbets sportCaldas, a 461 quilômetrosbets sportBelo Horizonte, para cuidar da saúde.

Ao todo, João do Rio viajou quatro vezes para a Europa – três a passeio e a última,bets sport1919, a trabalho.

Da primeira vez, visitou o túmulobets sportseu escritor favorito no badalado Père-Lachaise, o cemitério das celebridadesbets sportParis. Noutra ocasião, fez amizade com a dançarina americana Isadora Duncan (1877-1927).

Em 1916, durante visita ao Brasil, os dois tiveram um romance. Isadora teria dançado nua para seu amado. Onde? Não se sabe. “Uns dizem a Cascatinha da Tijuca; outros, a Praiabets sportIpanema”, conta Rodrigues. O local exato, a julgar por uma carta escrita por João do Rio para o poeta português Joãobets sportBarros (1881-1960), parece não ter importância. O que importa é que deixou saudades. “Passei os 15 dias mais felizes da minha vida”, derrete-se.