Por que Argentina não sabe quantas pessoas 'desapareceram' na ditadura militar 40 anos após fim do regime:blaze a

Pano branco escrito "nunca mais"

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Organismosblaze adireitos humanos estimam que cercablaze a30 mil pessoas foram assassinadas pela ditadura argentina

Nas quatro décadas que se passaram, a Argentina se tornou um exemplo mundialblaze aJustiça. Foi um dos poucos países que conseguiram levar seus opressores militares aos tribunais civis.

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Maisblaze a1,2 mil repressores foram condenadosblaze acercablaze a300 ações civis, segundo a Secretariablaze aDireitos Humanos do país.

Os esforços das organizaçõesblaze adireitos humanos, como as Mães e Avós da Praçablaze aMaio, possibilitaram a identificaçãoblaze amaisblaze a130 crianças (hoje, adultos) que nasceramblaze acativeiro e foram entreguesblaze aadoção pelos mesmos militares que torturaram e mataram seus pais.

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As ações permitiram esclarecer algumas das práticas mais cruéis do que a Justiça argentina definiu como "plano sistemáticoblaze adesaparecimento, tortura e extermínio", que foi levado a cabo "em um contextoblaze agenocídio".

Um exemplo foram os chamados "voos da morte", nos quais eram lançados sobre o Rio da Prata ou sobre o Oceano Atlântico, vivos e drogados, alguns dos prisioneiros das centenasblaze acentrosblaze adetenção clandestinos então existentes no país.

Mas, até hoje, não foi possível determinar o número totalblaze avítimas, mesmo com todos estes avanços e o incansável trabalho da renomada Equipe Argentinablaze aAntropologia Forense (EAAF), criadablaze a1984 para auxiliar "na recuperação, identificação e restituiçãoblaze acorposblaze avítimas do delitoblaze adesaparecimento forçado entre 1974 e 1983".

Considerando a faltablaze ainformações, os organismosblaze adireitos humanos precisaram se limitar a estimar a quantidadeblaze avítimas. Eles concluíram que os desaparecidos somaram cercablaze a30 mil pessoas. E, com o passar do ano, este número se tornou um emblema da luta por "Memória, Verdade e Justiça".

Nas últimas duas décadas, esta estimativa chegou a adquirir caráter oficial. É o númeroblaze adesaparecidos indicado atualmente pela Secretariablaze aDireitos Humanos da Argentina.

Marcha contra a ditadura

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O número aproximadoblaze a30 mil desaparecidos foi um consenso por muitos anos na Argentina; hoje, ele está sendo questionado

Mas este consensoblaze amuitos anos agora é questionado com a chegada ao poder do novo presidente Javier Milei e sua vice-presidente, Victoria Villarruel.

Eles defendem que os fatos ocorridos durante a ditadura não configuram genocídio, mas "uma guerra" contra grupos subversivos e, durante essa guerra, foram cometidos "excessos".

Milei e Villarruel também questionam a estimativa oficialblaze avítimas. Eles garantem que, na verdade, teria sido menosblaze aum terço do indicado até agora.

A posse do novo governo argentino está marcada para domingo, 10blaze adezembro.

'#NoSon30Mil'

"Não foram 30 mil desaparecidos, são 8.753", proclamou Mileiblaze aum dos debates eleitorais realizados antes do pleito. "Estamos combatendo uma visão distorcida da história."

No debate entre os candidatos à vice-presidência, Villarruel destacou que "no Parque da Memória [monumento dedicado às vítimas do terrorismoblaze aEstado] existem 8.751 nomes".

"Onde estão os demais?", questionou ela ao seu oponente governista, Agustín Rossi. Villarruel acusou o governo kirchneristablaze afazer "negócios com os desaparecidos".

Alguns dos seus seguidores reproduziram a denúncia nas redes sociais, com a hashtag "#NoSon30Mil".

Eles defendem que, no relatório intitulado "Nunca Más", apresentadoblaze a1984 pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimentoblaze aPessoas (Conadep) e que serviublaze abase para o histórico julgamento dos militares, constam as denúnciasblaze a8.961 desaparecimentos.

E, no próprio Registro Unificadoblaze aVítimas do Terrorismoblaze aEstado (Ruvte), criado durante o governo da presidente Cristina Kirchner (2007-2015) na Secretariablaze aDireitos Humanos, com informações atualizadas, constam 7.018 desaparecidos e 1.613 assassinatos – ao todo, 8.631 vítimas – no período compreendido entre 1976 e 1983.

Javier Milei e Victoria Villarruel

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Javier Milei e Victoria Villarruel querem considerar somente os registros oficiais

Mas não são apenas os seguidoresblaze aMilei que questionam os 30 mil desaparecidos.

Esse debate já havia surgido entre alguns funcionários do governo do presidente Mauricio Macri (2015-2019) e atéblaze auma fonte inesperada: a mãeblaze aum estudante desaparecido e famosa ativista dos direitos humanos na Argentina.

Trata-seblaze aGraciela Fernández Meijide, política que integrou a Conadep. Ela afirmoublaze a2017 que a estimativa "foi uma invenção dos exilados argentinos na Espanha" para chamar a atenção sobre a gravidade do que estava acontecendo no país.

"Não admito que existam dois númerosblaze adesaparecidos", afirmou ela ao canalblaze anotícias argentino LN+. "Um era uma necessidade; para argumentar que havia um genocídio, falou-se nos 30 mil; e o outro é o que está documentado."

ernández Meijide também questionou a veracidade da cifra: "vocês vão me dizer que existem 20 mil famílias que não denunciaram o desaparecimentoblaze aumblaze aseus membros? Expliquem-me como, por favor."

'Símbolo'

Se existem cercablaze a9 mil casos comprovados, por que a maioria dos organismosblaze aDireitos Humanos e o governo que está deixando o poder garantem que o número realblaze avítimas foiblaze acercablaze a30 mil?

A BBC News Mundo apresentou esta questão ao prêmio Nobel da Paz argentino, Adolfo Pérez Esquivel. Ativista pelos direitos humanos, ele foi preso durante a ditadura e homenageado com o prêmioblaze a1980 por denunciar os governos militares da Argentina eblaze aoutros países da região.

"Quando ocorrem crimesblaze amassa, os númerosblaze avítimas sempre são estimativas", explicou o professor e artista,blaze a92 anos, hoje presidente honorário do Serviço Paz e Justiça (Serpaj).

"Quem diz que seis milhõesblaze ajudeus morreram ou não nas câmarasblaze agás durante o nazismo? Ou um milhão e meioblaze aarmênios no genocídioblaze a1914?", questiona Pérez Esquivel.

"O númeroblaze a30 mil é um símbolo. Ele inclui não só os desaparecidos, mas também os torturados e os exilados."

Taty Almeida concorda que "os 30 mil são um símbolo". Mas ela garante que, para as Mães da Praçablaze aMaio, é uma aproximação real do númeroblaze avítimas fatais.

"Os próprios militares afirmaramblaze a1978 que haviam matado 22 mil pessoas – e isso foi cinco anos antes do fim da ditadura", destaca ela.

Almeida se refere a telegramasblaze ajulho daquele ano, que foram liberados para acesso público nos Estados Unidosblaze a2006.

Neles, o agente secreto da Direçãoblaze aInteligência do Chile (DINA) Enrique Arancibia Clavel informavablaze aBuenos Aires ao governo chilenoblaze aAugusto Pinochet que seus companheiros argentinos do Batalhãoblaze aInteligência n° 601 "têm computados 22 mil, entre mortos e desaparecidos,blaze a1975 até esta data".

O jornalista americano John Dinges obteve uma cópia dos documentos e os enviou para o Arquivoblaze aSegurança Nacional dos Estados Unidos.

Ele destacou que o telegrama do espião chileno "fornece provas importantes que confirmam que o verdadeiro númeroblaze adesaparecidos é significativamente maior do que as 9.089 pessoas indicadas pela Conadep na décadablaze a1980".

Outro documentoblaze a1978, do Departamentoblaze aEstado norte-americano, estimou o númeroblaze adesaparecidos na ditadura argentinablaze a15 mil pessoas.

A presidência da Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos da Argentina (APDH), um dos poucos organismos que reuniram denúncias durante a ditadura, afirmou que, além desses arquivos, a estimativablaze a30 mil vítimas foi baseada "na existência comprovadablaze amaisblaze a700 locais clandestinosblaze adetenção, tortura e extermínio e nas estimativas sobre o númeroblaze aprisioneirosblaze acada um deles".

E existe também "a imensa quantidadeblaze ahabeas corpus apresentados e o númeroblaze aintegrantes das estruturas militares envolvidas com a repressão ilegal, que superam 150 mil homens".

Mas a organização afirmou à BBC News Mundo que "o único registro real do númeroblaze amortos e desaparecidos,blaze aidentidade e destino final estáblaze apoder dos assassinos, que ocultam todos os dados, sabendo queblaze aformablaze aproceder foi abertamente criminosa".

Medo

Como explicar, então, que apenas um terço dos desaparecimentos ocorridos nos anos 1970 e 1980 foram denunciados?

Os organismosblaze adireitos humanos atribuem esta questão ao medo que existiu – e ainda existe –blaze aum país que sofreu seis golpesblaze aEstadoblaze amenosblaze ameio século e que chegou a ter um desaparecidoblaze apleno regime democrático.

Seu nome é Jorge Julio López, pedreiro e militante peronista que foi detido clandestinamente durante a ditadura.

Em 2006, depoisblaze adenunciarblaze ajuízo o repressor responsável pelo que aconteceu a ele, López desapareceu sem deixar rastros. A justiça suspeita que ele tenha sido vítimablaze aum grupo parapolicial, vinculado às forçasblaze asegurança que operaram durante a ditadura.

"A Argentina é muito grande e repletablaze apequenos povoados, com pessoas que nunca denunciaram os desaparecimentosblaze aseus filhos por medo, por vergonha, pelo que seja", destaca Almeida.

Ela revelou que os antropólogos forenses "continuam encontrando corposblaze adesaparecidos que nunca foram denunciados".

De fato, o EAAF já recuperou, nas últimas quatro décadas, maisblaze a1,4 mil corposblaze avítimas do período 1974-1983, mas ainda detém maisblaze a600 corposblaze aresguardo, por não terem sido identificados.

"Existe uma surpreendente faltablaze asistematicidade na coleta dos dadosblaze apessoas desaparecidas e encontradas sem identificação", afirmou à agência oficial argentina Télam,blaze aabrilblaze a2023, o investigador do EAAF Carlos "Maco" Somigliana.

"Atualmente, não existe um número exatoblaze apessoas desaparecidas eblaze apessoas encontradas pelo Estado que não foram identificadas", acrescentou ele.

Pérez Esquivel afirma que muitos dos milharesblaze aexilados que fugiram do país e nunca regressaram não denunciaram seus desaparecidos.

Ele também considera um erro "agarrar-se" aos dados da Conadep. "O que ela fez foi um trabalho relativo", segundo ele. O Prêmio Nobel conta que se negou a integrar o organismo, apesar do convite do então presidente argentino Raúl Alfonsín (1983-1989).

"Eu havia pedido que se formasse uma comissão bicameral no Congresso, que teria poderesblaze ainvestigação", explica Pérez Esquivel. "A Conadep foi uma comissãoblaze anotáveis e só podia coletar denúncias."

A Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos acrescenta que "o número coletado pela Conadep foi o revelado durante poucos mesesblaze atrabalho, imediatamente após o final da ditadura. Por isso, muitas denúncias não foram incluídas."

Fotosblaze apessoas desaparecidas

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Defensores dos direitos humanos alertam que, nos anos 1980, foram recebidas denúnciasblaze adesaparecimentos que não foram investigadas

Por outro lado, a APDH ressaltou que, após o julgamento dos militares, "houve na Argentina um longo períodoblaze aimpunidade", com leis como ablaze aPonto Final e Obediência Devida, que limitaram os processos judiciais, e indultos que libertaram os líderes condenados.

Essas leis "transformaram o paísblaze arefúgio dos mais ferozes criminososblaze aEstado, gerando medo para denunciar, alémblaze aque essas denúncias seriam inúteis, já que ninguém seria julgado".

Embora as chamadas "leisblaze aimpunidade tenham deixadoblaze avigorarblaze a2005, com as ações do governo do presidente Néstor Kirchner (2003-2007), muitos familiares das vítimas já haviam falecido naquela época", segundo Pérez Esquivel.

'Um só diabo'

De qualquer forma, o Prêmio Nobel argentino ressalta que "o númeroblaze avítimas não importa, o que interessa é que são crimes contra a humanidade".

"Foi adotado um número estimativo do horror praticado pela ditadura militar, mas existem muitas coisas que ainda não se sabe e, por isso, não devemos fazer disso um número", destaca ele.

Taty Almeida concorda. Para ela, "não importa se foram 30 mil ou não, não interessa".

"O que houve aqui foi um genocídio. Ponto final. [Sejam] 9 mil ou 30 mil, foi um genocídio. É isso que precisamos defender. Não o número."

Graciela Fernández Meijide, hoje com 92 anosblaze aidade, também estáblaze aacordo neste ponto.

"Sejam 30 mil, sejam 8 mil, é uma barbaridade", declarou ela à imprensa local da Argentina no último dia 24blaze amarço, Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça, que relembra a data do golpeblaze aEstado que instaurou a ditadura no paísblaze a1976.

Mães da Praçablaze aMaio carregam cartazes

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As Mães da Praçablaze aMaio realizam as 'Marcha pela Vida' há quatro décadas, todas as quintas-feiras, reivindicando a volta dos desaparecidos

Haverá indultos?

Da mesma forma que Pérez Esquivel e muitos organismosblaze adireitos humanos, Taty Almeida receia que, depoisblaze aassumir, Milei imite seu antecessor Carlos Menem e perdoe os repressores condenados. O novo mandatário considera Menem (1989-1999) o melhor presidente que teve a Argentina.

"Não vai ser fácil para ele", desafia Almeida. "São delitosblaze alesa humanidade, que não prescrevem, nem podem ser perdoados."

O presidente eleito eblaze avice não falaram sobre um possível indulto. Mas, se quisessem seguir esse caminho, poderiam encontrar outro obstáculo, além do jurídico.

Uma pesquisa realizada pela consultoria Opina Argentina no finalblaze anovembro concluiu que apenas 27% das cercablaze a6 mil pessoas consultadas são favoráveis ao perdão dos militares presos pela repressão.

Por outro lado, alguns defensores dos direitos humanos simpatizam com outra ideia traçada pela futura vice-presidente: ablaze aindenizar também os familiares das cercablaze a1 mil vítimas civis dos grupos subversivos, que não receberam compensação econômica do Estado, nem conseguiram levar os responsáveis à Justiça, por se tratarblaze adelitos comuns, que já prescreveram.

Taty Almeida eblaze aúltima foto com os três filhos, incluindo Alejandro (de óculos, ao lado dela), que foi detido e desapareceublaze a1975.
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Taty Almeida eblaze aúltima foto com os três filhos, incluindo Alejandro (de óculos, ao lado dela), que foi detido e desapareceublaze a1975

Mas as Mães e Avós da Praçablaze aMaio não concordam. Para elas, Villarruel – que é filha, sobrinha e netablaze amilitares – deveria usar seus contatos e seu poder para conseguir o que não foi possível nos últimos 40 anos: romper o pactoblaze asilêncio sobre o que aconteceu com os desaparecidos.

Esse silêncio é exatamente o motivo por que, quatro décadas depois, ainda não se sabe com precisão quantas vítimas deixou a ditadura argentina.

"É outra crueldade que nos fizeram... Não sabemos onde estão os restos mortais, não podemos enterrá-los, não podemos fazer o luto", lamenta Almeida.

Ela mora até hoje no mesmo apartamento no qual criou seu filho desaparecido, um estudanteblaze aMedicina militante do ERP que foi sequestrado com 20 anosblaze aidade.

"Sempre digo que não quero morrer sem pelo menos tocar os ossosblaze aAlejandro – e não perco a esperança."