Proximidade com poder favorece milíciascassino novodisputa por territórios no Rio, diz pesquisador:cassino novo

Policiais no Riocassino novoJaneiro

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Cercacassino novo4,4 milhõescassino novopessoas vivemcassino novoterritório controlado pelo crime organizado no Rio, segundo o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Riocassino novoJaneiro

Em entrevista à BBC News Brasil, Paes Manso explica a escalada recente da violência na cidade, que também levou ao episódiocassino novoque três médicoscassino novoSão Paulo foram assassinados no Rio.

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O pesquisador também fala sobre seu livro recém-publicado A Fé e o Fuzil (Todavia, 2023),cassino novoque discute crime e religião no Brasil e explica o fenômeno dos traficantes que se declaram evangélicos no Riocassino novoJaneiro.

O protestantismo inicialmente cresceucassino novooposição à desordem do crime na capital carioca, explica Paes Manso. Mas, nos últimos anos, segundo o pesquisador, vertentes religiosas passaram a ser usadas para legitimar autoridadecassino novotraficantes.

No livro, Paes Manso conta as históriascassino novodiversos ex-criminosos que mudaramcassino novovida ao se converterem. E fala sobre um "constrangimento" gerado pelo novo fenômenocassino novotraficantes que fazem uso ostensivo da religião e não deixam o crime.

Leia os principais trechos da entrevista à BBC News Brasil.

Bruno Paes Manso

Crédito, Todavia Editora

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Bruno Paes Manso é pesquisador do Núcleocassino novoViolência da USP (NEV) e autorcassino novodiversos livros pela editora Todavia

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BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

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cassino novo BBC News Brasil - A Polícia Civil tem falado cassino novo que "já não diferencia" cassino novo o tráfico da milícia (que surgiu com ex-policiais e ex-bombeiros). Hoje, quem compõe a milícia? É possível diferenciá-la dos traficantes?

cassino novo Paes Manso - Existem semelhanças importantes entre os diferentes modeloscassino novonegócios criminais no Rio. A primeira é o fatocassino novoserem grupos armados que controlam territórios e a partir desses territórios extraem suas receitas ilegais.

No caso do tráficocassino novodrogas, o básico é o controle do território principalmente para a vendacassino novodrogas no varejo. No caso das milícias, originalmente, (o negócio) começou com outros tiposcassino novoreceitas ligadas à extorsão, vendacassino novo"gatonet", internet, imóveis clandestinoscassino novoárea ambiental, cigarro pirata, etc. Mas cada vez mais os grupos passaram a ampliar suas receitas.

As milícias passaram a organizar a vendacassino novodrogas e o tráfico passou a organizar outros tiposcassino novonegócios. Então, realmente eles se aproximaram.

Mas as diferenças ainda são importantes. A influência das milícias no governo e a capacidade dos milicianoscassino novogarantir votos para parlamentares e influenciar a política do Rio e as instituições é muito maior.

Basta ver as operações policiais que se concentram fundamentalmentecassino novoáreascassino novotráficocassino novodrogas. A população desses bairros, que são sujeitas à tirania dos traficantes, acaba também ficando sujeita às operaçõescassino novoguerra da polícia.

Então, milícias e tráfico estão mais próximos. Mas as milícias, por serem formadas principalmente por policiais e terem sociedades com policiais, têm mais influência no Estado e, por isso, estão menos sujeitas às operações policiais que os traficantes.

A origem das milícias continua pesando na forma como elas estruturam seus modeloscassino novonegócios, mas houve uma mudança importante. A milícia dos bairroscassino novoCampo Grande e Santa Cruz (onde aconteceram os ataques a ônibus na segunda, 23/10) é o principal exemplo.

Ela foi formada pelo ex-vereador Jerominho Guimarães e seu irmão, o ex-deputado estadual Natalino Guimarães, como a Liga da Justiça. A partir do momento que eles foram presos, depois da CPI das milíciascassino novo2008, ela sofreu alguns rachas e acabou controlada por Carlinhos Três Pontes (Carlos Alexandre da Silva Braga), que passou a fazer sociedade com o tráficocassino novodrogas.

E também passou a se expandir, formando uma espéciecassino novomodelocassino novofranquias, onde eles davam apoiocassino novoarmado ecassino novocapital para grupos que se formaram na Baixada Fluminense — mas sempre com participaçãocassino novopoliciais como componentes importantes desses negócios. E com a adesão, tolerância e parceria, muitas vezes,cassino novopolíticos municipais.

O Carlinhos Três Pontes foi mortocassino novo2016; depois veio o Ecko (Wellington da Silva Braga), que morreucassino novo2021; e foi sucedido pelo Zinho. A milícia acabou rachando e se fragilizando a partircassino novo2022 quando o Zinho ( Luís Antônio da Silva Braga) e o Tandera (Danilo Dias Lima, ex braço direitocassino novoEcko) passaram a disputar território e dando início a esse desequilíbrio que a gente está vendo hoje, essa buscacassino novoconquistas territoriais por grupos rivais que a gente vê hoje (Zinho é tio do miliciano conhecido Faustão, cuja morte levou aos ataquescassino novosegunda,cassino novoacordo com a polícia).

cassino novo BBC News Brasil - Em seu trabalho, você fala bastante sobre o descontrole da polícia como uma das causas do problema das milícias no Rio. Como enxerga a atuação da corporação nesse momento? E as respostas dadas a casos como o dos médicos assassinados no início do mês ou as cenascassino novosegunda-feira?

cassino novo Paes Manso - O caso dos médicos assassinados foi um exemplo desse descontrole das polícias, um exemplo do caos, dos problemas gerados por esses conflitos que já vinham crescendo desde o primeiro semestrecassino novo2023. A gente já tinha identificado no Monitor da Violência um crescimentocassino novo17% nos homicídios no Rio.

O (grupocassino novopesquisa) Fogo Cruzado também já tinha identificado na regiãocassino novoJacarepaguá um aumentocassino novomaiscassino novo100%. Só que (isso) dentro dessa “normalidade” dos conflitos,cassino novoforma que a população acaba meio que aprendendo a conviver com eles. Isso saiu da curvacassino novo“normalidade” com a morte dos três médicos — todo mundo ficou chocado diante das vítimas que fugiam do perfil até então esperado naquele conflito.

Mas para mim o mais surpreendente foi a forma como ele foi resolvido. A própria polícia passou a divulgar que recebeu informações (da milícia)cassino novoque os médicos tinham sido mortos por engano. (Os criminosos) identificaram os responsáveis pelo equívoco, mataram os supostos autores do crime e enviaram para a polícia, que divulgou a história e acalmoucassino novoalguma forma a opinião pública. Tanto que o assunto foi esquecido dois dias depois.

Essa capacidade do crimecassino novoprestar contas para a opinião pública para que tudo continue como está, como se nadacassino novoextraordinário tivesse acontecido, foi o que mais surpreendeu. Aí veio a tentativa dos parlamentares (cariocas)cassino novoescolher um novo secretário da Polícia Civil (Marcus Amim), que precisou mostrar a que veio.

Aí o novo secretário fez a operação que levou à morte do sobrinho do Zinho. Ao que parece, o Zinho tentou mostrar força e marcar a posição, revelandocassino novocapacidadecassino novomobilização no crime na região, fazendo açõescassino novo40 pontos diferentes.

É sempre difícil saber exatamente o que passa na cabeça deles. Mas o que parece é que foi para passar um recadocassino novoque (políticos) não tentem ganhar nomecassino novocima deles, um recado que parece ter sido dado diante dessa operação com um secretário novo. É um quadro dramático porque a gente vê quase 10 anoscassino novofortalecimento desses grupos armados no Riocassino novoJaneiro.

Crise que vem desde a crise política do Rio, com a prisão do ex-governador Sérgio Cabral, depois a eleição do governador (Wilson) Witzel, um candidato já frágil que dois anos depois sofreu processocassino novoimpeachment.

No lugar dele assumiu um político outsider, que vinhacassino novofora da cena da política carioca, o Cláudio Castro, que tinha sido vereador com pouquíssimos votos, vindos da Igreja Católica, da Renovação Carismática.

Ele foi mantido no poder justamente por causa dacassino novofragilidade, que permitia que o podercassino novofato ficasse nos territórios e nos municípios onde esses grupos controlam o dia a dia, o dinheiro, a economia e a política.

E não é à toa que eles apoiaram fortemente a eleição do Cláudio Castro. Ele foi eleito no primeiro turno e continuou frágil, e essa fragilidade permitiu que esses grupos continuassem ganhando força. E nessa segunda a gente viu justamente a demonstraçãocassino novoforça desses grupos diantecassino novoum governo fraco.

cassino novo BBC News Brasil - Você vê alguma solução para o Riocassino novoJaneiro?

cassino novo Paes Manso - Não existe solução que seja fora da política. O que você vai fazer? Vai entrarcassino novoguerra contra quem? Vai fazer uma guerracassino novodefesa do quê? O fortalecimento das instituições democráticas, republicanas, depende do diálogo, da capacidadecassino novoconvencimento,cassino novomostrar que esse projetocassino novoaumentar a violência é um projeto autodestrutivo, que a gente tolerar as milícias não é uma coisa boa.

cassino novo BBC News Brasil - No livro cassino novo A Fé e o Fuzil cassino novo você conta que já pesquisava o tema da violência nos anos 2000 e desde então a religião e o crime já eram mundos que se cruzavam. Por que escrever sobre isso agora?

cassino novo Bruno Paes Manso - Eu comecei a falar com convertidos para ouvir sobre a violência, não sobre religião. Era muito difícil conseguir entrevistar homicidas e criminososcassino novogeral, porque eles acabam se expondo se falarem (com a imprensa). Então eu comecei a apelar para os religiosos. Eles me falavam do passado, até porque falar sobre o passado demonstrava o tamanho do milagre e da transformação na vida deles.

Eu ficava fascinado com essas transformações, para mim tudo parecia muito mágico. Eu gostava das histórias. Mas era um tema que estava muito vinculado a crenças individuais, privadas, que não eramcassino novointeresse público.

Isso começou a mudar quando eu escrevi o livro A República das Milícias. Conheci um traficante que perseguia religiõescassino novomatrizes africanas, que tinha Jesus Cristo tatuado no braço, era parceirocassino novoum miliciano próximo do Adriano da Nóbrega, próximo à família Bolsonaro (Nóbrega tinha parentes alocados no gabinetecassino novoFlávio Bolsonaro).

Depois eu conheci a história do traficante que montou um complexocassino novofavelas que ele denominou como Complexocassino novoIsrael. Por que aquilo era diferente? Porque eles usavam a religião para legitimar o poder e autoridade deles, era com objetivos públicos e políticos: para promover obediência, legitimar autoridadecassino novoum lugar como o Riocassino novoJaneiro onde você tem o caoscassino novovários gruposcassino novoconfronto.

Onde todo mundo é vilão, eles estavam tentando dar um arcassino novomocinho (àcassino novoatuação) a partircassino novoum discurso religioso. Mas o discurso, ao meio tempo, era real - ele não estava inventando nada, ele realmente acreditava naquilo.

E aí veio também o bolsonarismo, que acaba sendo meio transversal a esse debate. Veio esse discurso da guerra espiritual, da luta do bem contra o mal invadindo a esfera pública. Aí era o momentocassino novoenfrentar esse assunto, havia um interesse público, uma questão política a ser explorada.

Imagemcassino novolocal com quadrocassino novoCristo

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Pesquisa feita pelo Datafolhacassino novo2020 aponta que 31% da população do país era evangélica

cassino novo BBC News Brasil - Antes eram comuns as histórias das pessoas que deixaram o crime porque viraram evangélicos. Mas agora passam a existir pessoas que se declaram evangélicas enquanto ainda estão no crime. Como elas conciliam essas coisas opostas? E como os líderes pentecostais têm lidado com o constrangimento que, você diz, esses traficantes evangélicos geram?

cassino novo Paes Manso - É mais ou menos como todos os evangélicos,cassino novoalguma forma têm lidado com essa profusãocassino novointerpretações bíblicas que são características do próprio protestantismo.

Ao contrário do catolicismo, onde você tem uma interpretação mediada pelos padres e pelos teólogos católicoscassino novocima para baixo, o protestantismo é justamente caracterizado pela inexistência dessa mediação.

Isso deu margem a uma sériecassino novocongregações que a gente viu surgircassino novodiversas ondas ao longo da história. Mas nos últimos anos isso se espraiou e as pessoas passaram a fazer interpretações mediadas a partir da leitura da existênciacassino novouma batalha espiritual que enxerga a iminência do fim do mundo.

Então os evangélicos precisam catequizar o máximocassino novopessoas para se aproximaremcassino novoJesus, porque o diabo está presentecassino novovários lugares, nos territórios, na política, nas escolas, nas universidades.

Isso casou também com uma sériecassino novodiscursos anticomunistas e da batalha cultural que a partircassino novo2014 passou a só fazer muito sentido para um montecassino novogente, principalmente depois das redes sociais. Esse discurso da guerra espiritual, esse discurso bélico que justifica a violência, passou a constranger muita gentecassino novouma forma geral.

Existem muitos evangélicos que se sentem constrangidos com a forma como o bolsonarismo afetou a religiosidade evangélica. Porque o bolsonarismo é um discurso truculento, misógino, preconceituoso, que justifica a violência sob uma justificativacassino novoque representa os valores bíblicos numa guerra do bem contra o mal. E a mensagem pacifista e universalistacassino novoJesus Cristo do Novo Testamento fica à margem, a pontocassino novoevangélicos levarem revólveres para a marchacassino novoJesus.

Esse é um tipocassino novoconstrangimento que,cassino novouma forma geral, passou a atingir muitas pessoas, mas ao mesmo tempo acaba sendo meio naturalcassino novodecorrência da horizontalidade da interpretação da Bíblia. Então, da mesma forma que os "traficrentes" (que é o termo que passaram a usar) constrangem os pentecostais, esses evangélicos que passaram a justificar a violência também constrangem. Existe uma disputacassino novointerpretações da Bíblia nesse universo.

cassino novo BBC News Brasil - Então é o mesmo discursocassino novofundo? Mas o constrangimento para a comunidade evangélica gerado pelo discurso bolsonarista não é equivalente ao constrangimento gerado pelos traficantes que são evangélicos? Porque houve um grande apoio a Bolsonaro entre diferentes denominações religiosas.

cassino novo Paes Manso - Não, não é o mesmo nívelcassino novoconstrangimento. Porque essa crença pentecostal nas cidades surgiucassino novooposição à desordem do crime e sempre esteve muito colocada como uma oportunidade para transformar essas vidas,cassino novobairros que se sentiam muito vulneráveis com o crime e com as drogas.

O pentecostalismo busca promover o autocontrole e a ordemcassino novoum universocassino novodesordem,cassino novocaos. E o crime e as drogas representam essa imprevisibilidade, essa desordem. E o bolsonarismo,cassino novoalguma forma, pretende representar essa ordem, essa previsibilidade, com o uso da violência.

Então ele dialoga mais naturalmente com esse discursocassino novoordem ecassino novoautocontrole, com esse discurso conservador e reacionário. Então sem dúvida o discurso do traficante evangélico constrange muito mais. Só que o irônico é que eles são muito parecidos. Eles justificam a violência na defesa daquilo que eles enxergam como bem e no combate do que eles estigmatizam como mal. O discurso da guerra está presente nos dois.

cassino novo BBC News Brasil - No seu livro você combate muito a estigmatização da religiosidade. Mas o uso desse termo "traficrentes" não cai um pouco nesse caminho?

cassino novo Paes Manso - O termo estereotipa e estigmatiza, sem dúvida. Mas é um termo que não fui eu que inventei. Eu relato que existe esse termo e que ele foi inventado para falar sobre eles no Riocassino novoJaneiro. Estou descrevendo como eles definem isso, algo até típico do bom humor carioca e da criatividade. Surgem esses termos da mesma forma que surgiu o termo “milícias”.

"Milícia", durante muito tempo, foi um termo muito criticado, mas já entrou para o léxico. Esse termo "traficrentes" eu não uso para estigmatizá-los ou para ou para defini-los, ou para parar tirar sarro, mas para explicar que é um termo nativo, criado naquele ambiente que você está pesquisando.

cassino novo BBC News Brasil - Você entroucassino novocontato com líderes que dizem que esses traficantes não são verdadeiros evangélicos?

cassino novo Paes Manso - Claro, muitos não vão enxergar essas pessoas como reais evangélicos

Isso sem falarcassino novopastores que pregam o ódio, que demonizam uma outra religião. Esse é um verdadeiro evangélico? Esse tipocassino novopostura oucassino novocrítica sempre vai existir diante da horizontalidade das interpretações entre os protestantes.

É óbvio que um traficante que se diz evangélico é algo chocante e que batecassino novofrente com diversos dogmas e leituras bíblicas, mas tem muitas outras coisas que também são chocantes e que também são alvoscassino novocontestação entre os próprios evangélicos.

A gente tem que mostrar porque a gente está relatando isso: para aprofundar a discussão e mostrar uma realidade que muitos preferem fingir que não existe.

armas ao lidocassino novoescritos religiosos

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Armas ao ladocassino novoescritos religiosos

cassino novo BBC News Brasil - Você fala muito sobre como a religião evangélica é um movimentocassino novobaixo para cima, algo do povo que chegou na elite. Quando o Lula foi eleito pela primeira vezcassino novo2002, muito se falou que era a primeira vez que um presidente estava sendo eleitocassino novoum movimento que veiocassino novobaixo e subiu. Você acha que existe relação entre esse crescimento do pensamento evangélico e um certo empoderamentocassino novouma classe C, e depois um achatamento dessa nova classe média?

cassino novo Paes Manso - São movimentos diferentes. Quando surgiu o PT nos anos 80, a gente vinhacassino novouma ditadura militar. Com a revoluçãocassino novoCuba, a Igreja Católica na América Latina passou a temer que a revolução se espalhasse por todo o continente, porque eles simplesmente proibiam a crença católica.

Houve um processo reformista vindo da Igreja, do Concílio Vaticano 2º. Tinha uma visão da Teologia da Libertaçãocassino novoaproximar os padres e a religiosidade dos pobres, para que os pobres percebessem coletivamente que eles podiam pressionar o Estado por mais direitos. O Estado era referência.

Então você se unia, percebia criticamente o papel que você tinha na sociedade e lutava por mais direitos para conseguir avanço. Você tinha uma visãocassino novoque a partir dessa consciência e dessa luta dos pobres e dos excluídos o Brasil pudesse talvez se transformar numa grande Suécia, numa grande Dinamarca, exigindo do Estado seus direitos.

Com o passar do tempo, contudo, aumentou o ceticismo diante do Estado, apesar do SUS, apesar da universalização da educação, apesar do controle da inflação, apesar dos avanços.

Mas chega na crise econômica e políticacassino novo2016 e 2017 e as pessoas percebem que se elas não tiverem dinheiro elas estão ferradas. Se você não tem dinheiro, você vai para a rua, você é morto pela polícia, você passa fome, você é despejado, você não tem planocassino novosaúde.

Ter dinheiro é fundamental nas cidades. Isso é que vai dialogar muito bem com o movimento pentecostal, muito relacionado à prosperidade, a uma celebração do empreendedorismo e da própria auto estima das pessoas. As pessoas precisam acreditarcassino novosi próprias.

A partir do momento que ela ama Deus, ela tem mais condiçõescassino novoconseguir. Ela vai criar uma redecassino novoapoio com pessoas que pensam como ela, com valores iguais, iguais aos dela. Ela vai ter uma disciplina, um autocontrole, um espírito mais moderno para se incluir no mercado, para fazer parte do mercado.

cassino novo BBC News Brasil - Você escreve no livro que essa culturacassino novoempreendedorismo gera resultados mais rápidos para essas pessoas do que uma luta conjunta por uma melhoria que parece uma coisa muito mais distante.

cassino novo Paes Manso - Sim, porque você vai depender sócassino novovocê mesmo. A luta coletiva por mais direitos às vezes pode demorar anos e muitas vezes nunca conseguir. E aí você passa a ver o Estado como um local que todo mundo quer ganhar só pra beneficiar a si mesmo, voce passa a ver o Estado com um certo ceticismo, desacreditar no Estadocassino novogarantir direito.

É muito mais sedutora e muito mais convincente essa ideiacassino novouma solução que dpende do próprio amor, do amor próprio, da crençacassino novosi mesmo, da vontade própria.

O pentecostalismo é uma ferramenta, entre as crenças, para as pessoas viverem melhor no mercado,cassino novoum mundo muito dependente do mercado. Mas a gente sempre imaginou que a gente ia educar as pessoascassino novocima pra baixo, que a universidade, o Estado ia trazer essas ferramentas.

Mas as pessoas aprendem a sobreviver e inventam ferramentas para elas próprias saírem da miséria. Então isso que pra mim é muito impressionante, da onde parecia haver só ignorância, que a gente via com o despeito, com superioridade, o povo inventou uma formacassino novosobreviver na miséria das cidades onde, se você não tem dinheiro, você está ferrado.

Eles inventaram uma maneiracassino novosair dessa situação, muito a partircassino novovalores que os tornavam mais capazescassino novosobreviver,cassino novoganhar dinheiro,cassino novosobreviver ao mercado,cassino novose juntar,cassino novoter uma disciplina,cassino novoter um autocontrole,cassino novoacreditarcassino novosi próprio,cassino novoter uma auto estima tal.

cassino novo BBC News Brasil - Qualquer religião pode ser usada como manipulação. Por que o catolicismo e umbanda - que são também muitas vezes, individualmente, as religiões pessoais dos bandidos - não foram usadas também pelos traficantes como formascassino novolegitimação?

cassino novo Paes Manso - A principal diferença é que a religião evangélica permite um discurso moral e ético a partircassino novouma hermenêutica (interpretação bíblica) horizontal. Essa possibilidade que o protestantismo dácassino novovocê fazer uma interpretação bíblica própria é o que torna essa religião mais propensa a esse tipocassino novoapropriação, a ponto do próprio bolsonarismo ter se apropriado dela também.

Então, o traficante evangélico do Complexocassino novoIsrael, por exemplo, diz que sonhou com Deus e que Deus disse para ele que ele era o ungidocassino novoCristo na favela e que ia lutar contra os outroscassino novodefesacassino novoDeus. Aí ele vai olhar no Antigo Testamento, e tem o povocassino novoIsrael que passa a ser visto como representante ético e moralcassino novoDeus na terra a partircassino novouma lutacassino novoséculos contra os inimigos que não obedeciam à moral divina.

Então,cassino novoalguma forma, ele se vê como representante dessa ética do bem e passa a interpretar a Bíblia e se enxergar como um representante do bem a partircassino novocoisas que aconteceram na Bíblia. E ele passa a propor isso como um discursocassino novolegitimidade dacassino novoautoridadecassino novoum Estadocassino novoque você tem quatro organizações criminosas brigando pela hegemonia. Ele começa a se enxergar diferente, como mais legítimo e, por isso, mais forte.

cassino novo BBC News Brasil - O fenômeno da população estar mais evangélica acontece no Brasil inteiro. Por que não acontece no PCC ainda a existênciacassino novolíderes que usam a religião dessa forma ostentosa?

cassino novo Paes Manso - No PCC houve gente que tentou usar igreja para lavar dinheiro. O segundo homem do PCC fez isso com igrejas do Rio Grande do Norte. Mas eu acho que aquicassino novoSão Paulo a mistura acontececassino novouma outra forma.

A transformação que começou a acontecer é que o dinheiro do crime começou a entrar na economia formal. Como começou a ser lavado, começou a ser investidocassino novoempresas formaiscassino novoônibus que transportam milharescassino novopassageiroscassino novoSão Paulo,cassino novoorganizações sociais,cassino novopostoscassino novogasolina,cassino novoempresascassino novolixo,cassino novoentulho,cassino novoadegas,cassino novouma sériecassino novonegócios. E aí sim, essas coisas (o crime) e a religião dialogam.

Tanto o esses empresários quando os neopentecostais e os pentecostais dessa terceira onda valorizam muito a capacidadecassino novoconsumo ecassino novoganhar dinheiro como uma bênção divina. A pessoa que ganha muito dinheiro se enxerga como uma espéciecassino novoabençoadocassino novoDeus.

O empresário que cresceu, mesmo que seja com o dinheiro lavado do crime, ele frequenta igreja, oferece empregos, se relaciona com outras pessoas e a mistura passou a acontecer por aí. Então você vê sim uma espéciecassino novode mistura acontecendo, apesar dos mundos serem diferentes, a partir do momento que o crime se formaliza e passa a participar da economia a mistura acontececassino novouma outra forma,cassino novouma outra maneira.

E ao mesmo tempo você tem essa cultura pentecostal gospel fazendo partecassino novouma cultura geral, inclusive dos criminosos que vão falar: "olha, beleza, eu ainda não me converti, mas eu respeito o pastor, eu sou justo no crime, eu corro do lado certocassino novouma vida errada".

cassino novo BBC News Brasil - No livro você compara o PCC a uma agência reguladora do crime e diz que, no caso do Rio, as facções seriam como empresas competindo. E você fala que no início o PCC aumentou a violência para estabelecer a dominância e só depois, com as regras, o homicídio caiu. É isso que está acontecendo na Bahia neste momento, essa disputacassino novoum lugar onde não existe uma dominância clara?

cassino novo Paes Manso - Sim, na Bahia ecassino novovários estados. São Paulo é o Estado que conseguiu, a partir do PCC, criar essas regras para a cena do crime e virar essa agência reguladora. E isso o PCC conseguiu principalmente a partir da expansão dos presídios e do controle dos presídios que eles conseguiram fazer nos anos 1990. A partir desse momento o PCC começou a dar passos mais largos e chegou às fronteiras da Bolívia, à Colômbia, ao Paraguai.

Ao mesmo tempo o PCC se comunicava com diversos criminosos nos presídios federais. E aí as gangues começaram a aparecercassino novotodo o Brasil. De repente, são quase 60 gangues no Brasil inteiro,cassino novotodos os estados. Só que nesses estados o PCC enfrentou resistência.

Podia ser resistência localcassino novouma gangue local, mas muitas vezes associada com o Comando Vermelho, que virou uma referência nacional. Então são mercadoscassino novodisputa. Na Bahia são várias gangues. Ecassino novomercados do crime que são competitivos, essas disputas acontecem pela bala.

cassino novo BBC News Brasil - Como você avalia o plano do governo federal contra a violência após a crise na Bahia?

cassino novo Paes Manso - O ministro (da Justiça) Flávio Dino abordou o problema, falou corretamente: são quase 60 gangues, é um problema nacional e as gangues se comunicam, enquanto as polícias não se comunicam. Então é preciso trocar informação, é preciso juntar as instituições. Da mesma forma ele falou da relevância do controle das polícias por meio dos ministérios públicos para a reduçãocassino novohomicícios.

Ele faloucassino novousar taxascassino novocrime para medir as metas, para depois eles serem cobrados. Até hoje, ao longocassino novo30 anos, o governo federal buscou se omitir do problema, buscou fingir que não era com ele. Faz parte da tradição dos presidentes evitar trazer para eles o problema dos governadores.

Então eu acho que tem que ser apontado esse aspecto positivo do governo federal estar compartilhando com os governadores esse compromisso. É um princípio, me parece importante. Mas óbvio que não vão mudar as coisas do dia para noite, porque,cassino novofato depende dos governadores e dependecassino novouma capacidadecassino novoarticulação política.

cassino novo BBC News Brasil - Tenho uma pergunta um pouco mais pessoal. Ao longo do livro você conta que é agnóstico e chamacassino novo"dom" a capacidade das pessoas religiosascassino novoacreditar. Você tem - na faltacassino novouma palavra melhor - uma certa inveja dessa capacidade das pessoascassino novoacreditarem, da propensão para a fé? Tem vontadecassino novoconseguir sentir o que eles descrevem?

cassino novo Paes Manso - Eu já tive. Realmente, às vezes, parece que a vida fica mais fácil quando você tem respostas. Por que você vai acordar, vai sofrer, vai enfrentar vai lutar. Quando você não acreditacassino novonada, as coisas correm o riscocassino novocair num vazio mesmo. E acaba sendo sempre um imenso desafio você enxergar propósito nacassino novovida. Eu fico pensando, será que nunca vou acreditar? Sou mais cético... Mas isso também significa que eu nunca seria ateu, por exemplo, porque o ateu ele acredita na não-existênciacassino novoDeus. E eu eu acredito no mistério. Eu acho que talvez exista alguma coisa que a gente vai ainda encontrar. A gente estácassino novobuscacassino novorespostas. E talvez essa seja uma das minhas motivações quase espirituais também. Ou talvez seja impossível encontrar qualquer tipocassino novoresposta. Mas existe um mistério, eu respeito muito esse mistério.