Fernando Sabino, 100 anos: memóriasaposta caixa appum escritor brasileiroaposta caixa appLondres:aposta caixa app

“Só trouxe dois?”

“Realmente, senhor: peço-lhe perdão, só trouxe dois. Sinto muito!”, desculpou-se o garçom.

“Absolutamente! Eu é que peço perdão: por um lastimável equívoco, só pedi dois. A culpa foi minha!”, retrucou o docente.

De um lado, o garçom tornou a pedir desculpas. Do outro, o professor voltou a protestar. E, no meio da intensa trocaaposta caixa appmesuras e gentilezas, Sabino esperava, indócil, para tomar seu uísque.

“Não seria o casoaposta caixa apppedirmos mais um?”, sugeriu, timidamente.

Mais alguns pedidosaposta caixa appdesculpas depois, a bebida foi finalmente servida.

“Há momentos que a extrema delicadeza do inglês até me faz desconfiar que estãoaposta caixa appbrincadeira comigo”, admitiu numa das crônicasaposta caixa appLivro aberto (2001), antologia que ele próprio apelidouaposta caixa app“obra póstumaaposta caixa appvida”.

Fernando Tavares Sabino, que completaria 100 anos no dia 12aposta caixa appoutubro, morouaposta caixa appLondresaposta caixa app1964 a 1966. Foi convidado pelo ministro das Relações Exteriores do Governo João Goulart, João Augustoaposta caixa appAraújo Castro, para assumir o postoaposta caixa appadido cultural da embaixada do Brasil na capital inglesa.

“Dezoito anos antes, eu costumava dizer-lheaposta caixa appbrincadeira que não se esquecesseaposta caixa appmim quando fosse chanceler…”, relata o escritor na crônica Londres, que faz parte do livro O Tabuleiroaposta caixa appDamas (1988), um esboçoaposta caixa appautobiografia. “E ele não esqueceu”.

Curiosamente, outro grande escritor brasileiro, Rubem Braga, sócioaposta caixa appSabino na editora Sabiá, também serviu no exterior. Embora não fosse diplomataaposta caixa appcarreira, atuou como embaixadoraposta caixa appRabat, no Marrocos.

Rubem Braga sofreu com os costumes islâmicos. Nas recepções oficiais, as mulheres estavam sempre cobertasaposta caixa appvéu, da cabeça aos pés.

“Às vezes, tenho a sensaçãoaposta caixa appque estouaposta caixa appum convento”, resmungava o escritor, segundo relato do jornalista José Castello no livro Na Coberturaaposta caixa appRubem Braga (1996).

Trapalhadas idiomáticas

Encontrar um lugar para morar foi o primeiro desafio enfrentado por Fernando Sabinoaposta caixa appLondres. Em apenas quatro meses, visitou 58 imóveis, entre casas e apartamentos. De uns, até gostou, mas algumas das exigências dos proprietários, como não ter crianças, inviabilizava a locação. Sabino teve sete filhos: Eliana, Leonora, Pedro e Virgínia, do primeiro casamento, com Helena; e Verônica, Bernardo e Marina, do segundo, com Anne Beatrice.

“Deles, seis,aposta caixa appdiferentes épocas, estiveram comigoaposta caixa appLondres”, observa.

De outros imóveis, porém, não gostou nem um pouco. Ou eram longe demais, ou não tinham banheiro.

Houve um,aposta caixa appMaida Vale, que Sabino adorou: bom tamanho, boa localização, bom preço. Mas outro pretendente, para azar do escritor, levou a melhor. “Amaldiçoei o felizardo, sem saber tratar-seaposta caixa appuma respeitável senhora que admiroaposta caixa applonga data: Marlene Dietrich”, relatou na crônica Onde Morar.

Em outra visita, Sabino viveu uma situação, para dizer o mínimo, constrangedora. Lá pelas tantas, a proprietária do imóvel, ao descobrir que o candidato a inquilino era brasileiro, ofereceu uma xícaraaposta caixa appcafé. Na mesma hora, o visitante agradeceu a gentileza, mas disse que não se incomodasse. Ou melhor: pensouaposta caixa appdizer.

“Em vezaposta caixa app‘oh, don’t bother’, falei distraidamente ‘oh, don’t bother me’ – o que,aposta caixa appbom português, quer dizer: ‘não chateia’”, recorda.

Noutra crônica, Sabino conta a históriaaposta caixa appuma brasileira que, sem conhecer a cidade ou dominar o idioma, se distraiu olhando as vitrines das lojas e perdeu o maridoaposta caixa appvista. Sem dinheiro para voltar ao hotel, caiu no choro. Logo, alguns ingleses se aproximaram, solícitos. “Perdi meu marido”, choramingava ela. E achou por bem traduzir: “I lost my husband!”. Um homem tirou o chapéu, comovido. “Sinto muito, minha senhora: meus pêsames!”.

Assim que chegou a Londres, Sabino foi advertido por colegas brasileiros: cuidado, eles levam tudo ao pé da letra! “Diga a um deles, por delicadeza, que apareça emaposta caixa appcasa qualquer hora dessas, para ver só: ele aparece”, explicou.

Eliana, a primogênita, confirma: “Se ele dissesse a um inglês: ‘Venha jantar láaposta caixa appcasa um dia desses’, o inglês retrucaria sem pestanejar: ‘Quando?’. E ele se via obrigado a marcar um dia e ter que avisar a esposaaposta caixa appque dois dias depois um inglês praticamente desconhecido viria para o jantar”.

“Fora isso, só mais um problemaaposta caixa appadaptação o afligia: a mão inversa do trânsito inglês”, prossegue a filha do escritor. “Ele tentava facilitaraposta caixa appdireção repetindo baixinho: ‘dirigir na contramão, dirigir na contramão’”...

Jeitinho brasileiro

No capítuloaposta caixa appUm Tabuleiroaposta caixa appDamas dedicado a Londres, o escritor lembra do diaaposta caixa appque recebeu uma ligaçãoaposta caixa appum importante astroaposta caixa appHollywood. “Mister Sabino? This is Cary Grant!”, disse a voz do outro lado da linha.

Sabino tinha sido incumbidoaposta caixa apptrazer uma delegaçãoaposta caixa appartistas, diretores e produtores ingleses para participar do Festival Internacionalaposta caixa appCinema, que seria realizado no Rio,aposta caixa app1965. À época, entrouaposta caixa appcontato com alguns dos maiores astros e estrelas do cinema britânico, como Laurence Olivier, Sean Connery, Elizabeth Taylor, Vivien Leigh e Ursula Andress, entre outros.

“Enquanto os menos conhecidos se manifestavam atravésaposta caixa appcarta ouaposta caixa appseus agentes, os mais famosos me procuravamaposta caixa apppessoa”, espantou-se.

Por incompatibilidadeaposta caixa appagenda, muitos não puderam comparecer. Alec Guinness, por exemplo, estava na Itália, rodando um novo filme. Maximilian Schell na Iugoslávia, Peter Sellers na França e Richard Burton nos EUA.

“Esta foi a maior dificuldade: é gente que não dorme no ponto e, mal terminam uma filmagem, iniciam outra. Os contratos são exigentes, feitos com longa antecedência e não respeitam jamais o sistema brasileiroaposta caixa appdeixar para última hora que no fim dá certo”, reclama Sabino.

Cary Grant foi um dos que declinou do convite. O astroaposta caixa appInterlúdio (1946), Ladrãoaposta caixa appCasaca (1955) e Intriga Internacional (1959), todos dirigidos por Alfred Hitchcock, tinha acabadoaposta caixa appse casar eaposta caixa appquarta mulher, Dyan Cannon, queria passar a luaaposta caixa appmel no Japão. Ele até tentou convencê-la a conhecer o Rio, mas não adiantou.

“Ela tem 22 anos!”, desculpou-se o ator.

“Eu entendoaposta caixa appsituação, Mister Grant!”, consolou o escritor.

Apesar dos pesares, Sabino conseguiu trazer dois grandes cineastas, o austríaco Fritz Lang e o francês Roman Polanski, e três “Bond girls”: Martine Beswick,aposta caixa appMoscou Contra 007 (1963); Honor Blackman,aposta caixa app007 Contra Goldfinger (1964); e Molly Peters,aposta caixa app007 Contra a Chantagem Atômica (1965).

“Viraram a cabeçaaposta caixa appmais um amigo meu”, entrega o autor.

Fernando Sabino perdeu a oportunidadeaposta caixa appconhecer Cary Grant. Mas quis o destino que conhecesse Joan Miró. O pintor espanhol, já com 72 anos, expôs alguns trabalhos na Galeria Marlborough – um deles, Lição do Céu, foi vendido por 30 mil libras – e concedeu uma entrevista a Sabino.

Ao ser indagado sobre que conselho poderia dar aos jovens pintores, declarou: “Trabalhem. Não há outro jeito. Não há caminho curto para o sucesso”, e contou que trabalhava uma médiaaposta caixa appoito horas por dia.

'Padaria literária'

Como adido cultural, Fernando Sabino ganhava 850 dólares mensais, “pouco para viver na Inglaterra com mulher e filhos”, admitiu. Por essa razão, não parouaposta caixa appescrever. Pelo contrário. Escreveu mais do que nunca. Produzia uma crônica diária para o Jornal do Brasil, uma semanal para a revista Manchete e outra mensal para a revista Cláudia. “Transformei-me numa verdadeira padaria literária. Passava o sábado e o domingoaposta caixa appcasa escrevendo”.

Além disso, toda terça-feira, lia umaaposta caixa appsuas crônicas no programa radiofônico do Serviço Brasileiro da BBC, “a famosa estação britânica que desde a última guerra se tornou para mim o símbolo da cultura e da liberdade”.

Não foi o único brasileiro a bater ponto na BBC: José J. Veiga, Viniciusaposta caixa appMoraes, Antonio Callado e Ivan Lessa também trabalharam lá,aposta caixa appdiferentes ocasiões eaposta caixa appdiferentes funções.

“Isso se deve, antesaposta caixa appmais nada, ao prestígio internacional da BBC e à repercussãoaposta caixa appsuas transmissões”, explica o sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho, autoraposta caixa appVozesaposta caixa appLondres: Memórias Brasileiras da BBC (2008).

“Era uma formaaposta caixa appmanter contato com o país e, é claro, receber uma remuneração pelos serviços prestados”.

“É preciso lembrar que o Serviço Brasileiro era uma das mais importantes fontesaposta caixa appinformação durante a Segunda Guerra, dando aos escritores uma ampla audiência no país. Terminada a guerra, o prestígio e a audiência estavam consolidados. Outro aspecto importante: a linha editorial da emissora abria espaço para crônicas e comentários que iam além da informação pura e simples”.

Tudo, absolutamente tudo, era assunto para crônica: a Família Real, os policiais da Scotland Yard, as partidasaposta caixa appcríquete, os ônibusaposta caixa appdois andares, a mão invertida dos automóveis, os brasileiros na Inglaterra, os ingleses no Brasil... “Não houve assunto que escapasse à loquacidadeaposta caixa appquem, não sendo especialistaaposta caixa appnada, se julga credenciado a falaraposta caixa apptudo”, observou Sabino na crônica Despedida,aposta caixa app1966.

Numa crônica, Sabino contou a históriaaposta caixa appBrian Sutherland. Alto, moreno e simpático, foi eleito, aos 35 anos, o marido inglês ideal. Detalhe: o concurso atraiu 1,4 mil concorrentes! “Os pretendentes tiveramaposta caixa appse submeter a um teste escrito que daria comigo na rua da amargura como o pior dos maridos. Não só não ajudo a lavar a roupa, nem me lembro dos aniversários, como seria desclassificado se me perguntassem o que fazer quando o neném estiver com soluço, como fritar batatas ou como limpar panelasaposta caixa appalumínio”, confessou.

Noutra, a personagem escolhida foi Anne Rostow, que media nada menos que dois metros e doze centímetrosaposta caixa appaltura. Submetida a uma sérieaposta caixa appoperações, terminou com um metro e oitenta e cinco. “Não seiaposta caixa appque parteaposta caixa appseu corpo os cirurgiões andaram cortando. Presumo que nas pernas. Em todo o caso,aposta caixa appum metro e oitenta e cinco, convenhamos que ainda tem mulheraposta caixa appsobra”.

Por fim, narrou o infortúnioaposta caixa appWilliam Henry Cooper, que já tinha sido reprovado nos examesaposta caixa apphabilitação umas cinco vezes. Certa ocasião, numa estrada a caminhoaposta caixa appMaidenhead, o sujeito colidiu contra outro veículo. Para surpresa dele, quem estava no outro carro era o príncipe Philip, que vinhaaposta caixa appWindsoraposta caixa appcompanhia da esposa. Felizmente, não houve feridos. “Os ingleses acreditam que o lado direito é realmente o direito – e,aposta caixa appconsequência, o esquerdo é o lado errado. O resto da humanidade, pois, está errada, insistindoaposta caixa appcolocar o volante dos carros do lado errado, ou seja, do lado esquerdo”, protestou o escritor.

“As crônicas do Sabino eram agradáveis e coloquiais. Umas contavam histórias, outras faziam reflexões”, recorda o jornalista Nemércio Nogueira, que trabalhou na BBCaposta caixa appoutubroaposta caixa app1963 a novembroaposta caixa app1966 e, entre outras funções, produzia a leitura semanalaposta caixa appcrônicas do escritor. “Não me esqueçoaposta caixa appuma, muito engraçada,aposta caixa appque ele conta o diaaposta caixa appque foi a uma repartição pública e,aposta caixa appdeterminado momento, confundiu os verbos ‘to join my wife’ com ‘to enjoy my wife’. Os funcionários acharam graça e ele, muito sério, queria saber o motivo da risada”.

Era tanto assunto que, depoisaposta caixa appretornar ao Brasil, Sabino publicou um livro, Inglesa Deslumbrada (1967), com algumas das crônicas escritasaposta caixa appsolo inglês. O título da antologia, aliás, faz referência a uma jovem que Sabino conheceu numa festa na casaaposta caixa appFrancis Huxley, antropólogo inglês que viveu algum tempo entre os indígenas brasileiros e chegou a publicar um livro sobre o tema, Affable Savages: An Anthropologist Among the Urubu Indians of Brazil (1956). Francis era sobrinhoaposta caixa appAldous Huxley, o autoraposta caixa appAdmirável Mundo Novo (1932).

A certa altura da conversa, a jovem perguntou a Sabino se era verdade que, no Brasil, os indígenas andavam completamente nus, pelas ruas das grandes cidades. “No Brasil, era comum os próprios civilizados andarem nus”, respondeu o escritor. “Os pobres por faltaaposta caixa approupa, os ricos por excessoaposta caixa appcalor”. A inglesinha, relata o autor no prefácio do livro, arregalou os olhos e ficou “absolutamente deslumbrada”.

Confusão na terra da rainha

Nos três anosaposta caixa appque morou na Inglaterra, e trabalhou como correspondente do Jornal do Brasil, Fernando Sabino cobriu, pelo menos, quatro eventos históricos: a estreia do filme A Hard Day’s Night,aposta caixa appRichard Lester, a vitória da tenista Maria Esther Buenoaposta caixa appWimbledon,aposta caixa app1964; a morte do ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill,aposta caixa app1965, e a Copa do Mundo da Inglaterra, vencida pelos donos da casa,aposta caixa app1966.

No Brasil, A Hard Day’s Night, estrelado pelos Beatles, ganhou o títuloaposta caixa appOs Reis do Iê-iê-iê. Na Inglaterra, pais e filhos lotavam as salasaposta caixa appcinema, da primeira à última sessão. Volta e meia, mães desnorteadas mandavam bilhetes aflitos aos gerentes perplexos: “Fui à sessão hoje com oito crianças. Agora, só tenho seteaposta caixa appcasa. Pode fazer o favoraposta caixa appverificar se a oitava não está por aí?”, suplicava uma delas.

Em casa, a maior fã dos Beatles era Verônica, então com três anos.

“Outro dia, arrastou a mãe para assistir ao diabo do filme. Agora, não satisfeita, insisteaposta caixa appvoltar com o pai: ‘Se você não for comigo, vou sozinha’. Acabo tendo que ir”, resigna-se o pai. “Paul McCartney foi a minha Xuxa!”, compara Verônica Sabino, aos risos. “Por uma feliz coincidência, os Beatles acabamaposta caixa applançar música nova e,aposta caixa appdezembro, vou ao show do Paul, no Maracanã!”.

Já adulta, Verônica Sabino fez sucesso no Brasil inteiro cantando a música Demais (1986), versãoaposta caixa appZé Rodrix e Miguel Paiva para Yes, It Is (1965), da dupla Lennon & McCartney. O convite, lembra a cantora, partiu do produtor musical Mariozinho Rocha, que incluiu Demais na trilha da novela Selvaaposta caixa appPedra, da TV Globo.

“Ainda hoje, canto essa música nos meus shows e, quando eu não canto, o público reclama!”, diverte-se.

Dois anos depois da explosão da Beatlemania, a Inglaterra sediou a Copa do Mundoaposta caixa appFutebol. No jogoaposta caixa appestreia, o Brasil ganhou a Bulgária por 2 a 0, golsaposta caixa appPelé e Garrincha – era a última vezaposta caixa appque os dois craques jogavam juntos. “Findo o jogo, veio o carnaval – com confete, serpentina e batucada. Eram brasileiros realizando aquilo que nem Napoleão nem Hitler conseguiram: a invasão da Inglaterra”, escreveu Sabino.

Mas, a folia durou pouco. A Copa do Mundoaposta caixa app1966 entrou para a história como aaposta caixa apppior campanha da seleção brasileiraaposta caixa appmundiais. O Brasil ganhou um jogo, mas perdeu dois: contra Hungria e Portugal, ambos pelo placaraposta caixa app3 a 1. Conclusão: foi eliminado ainda na primeira fase.

“Ando nas ruasaposta caixa appLondres tropeçandoaposta caixa appbrasileiros. Alguns alvoroçados, outros desarvorados, sem hotel, sem ingresso, sem dinheiro: muitos chegaram até aqui aos trancos e barrancos, sabe Deus como”, observou o escritor.

Teve Chevrolet Impala com chapaaposta caixa appPorto Alegre que foi pararaposta caixa appLiverpool e torcedor brasileiro que pegou o trem errado e foi parar na Escócia.

“Se o Brasil não tivesse sido eliminado logo na primeira fase, Londres nunca mais seria a mesma…”, profetiza, bem-humorada, a escritora e tradutora Eliana Sabino, testemunha ocular da confusão.