A nova era da prevenção contra a aids — e os desafios que complicam esses cuidados:jogo diamond blaze

Por outro, eles temem que o sistema tenha se tornado complexo demais para ser compreendido por todo mundo — o que exige campanhasjogo diamond blazeeducação e conscientização mais frequentes.

Entenda a seguir como a prevenção do HIV evoluiu nas últimas décadas e as novidades que são esperadas para os próximos anos — com a promessajogo diamond blazeaté uma "vacina" contra o vírus no horizonte.

Uma perspectiva histórica

O antropólogo Richard Parker, diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinarjogo diamond blazeAids (Abia), divide os métodosjogo diamond blazeprevenção do HIVjogo diamond blazequatro grandes ondas.

“No começo da epidemia, no início dos anos 1980, não existia praticamente nadajogo diamond blazetermosjogo diamond blazeestratégias preventivas oficiaisjogo diamond blazenenhum país. Como os governos basicamente negaram ou ignoraram o problema, as comunidades mais afetadas precisaram se organizar para fazer a prevenção", contextualiza o especialista, que também é professor titular eméritojogo diamond blazeSaúde Pública, Ciências Sócio-Médicas e Antropologia na Universidadejogo diamond blazeColumbia, nos Estados Unidos.

“Esse primeiro modelojogo diamond blazeprevenção comunitária começou especialmente nas comunidades gays, que criaram as primeiras orientações sobre o uso da camisinha", complementa ele.

Parker destaca que, na segunda onda, as campanhas oficiais focaram no comportamento das pessoas.

“E a mensagem transmitida era horrorosa, cheiajogo diamond blazeculpas, quase terrorista, na linha ‘a aids vai te pegar'", lembra ele.

“À época, a ideia era que as pessoas tinham comportamentosjogo diamond blazerisco que precisavam ser modificadosjogo diamond blazealguma maneira.”

A partir da metade dos anos 1990, ativistas e cientistas sociais começaram a criticar essa abordagem. Numa terceira ondajogo diamond blazeprevenção, eles passaram a chamar a atenção para as questões estruturais da sociedade que colocavam as pessoasjogo diamond blazeriscojogo diamond blazese infectar com o HIV.

“Uma mulher pobre, com um filho para alimentar e sem emprego, começa a trabalhar com sexo não porque quer se colocarjogo diamond blazerisco. São as condições estruturais que fizeram ela precisar disso", exemplifica ele.

“Ou seja, desigualdades sociais, questõesjogo diamond blazegênero, opressão sexualjogo diamond blazepessoas não normativas e uma sériejogo diamond blazeoutras coisas condicionam esse risco, e é preciso lidar com esses pontos", avalia Parker.

O especialista pontua que esse modelojogo diamond blazepensamento dominou até meadosjogo diamond blaze2006, quando começaram a surgir as primeiras discussões sobre a prevenção biomédica — métodosjogo diamond blazetestagem rápida ou até mesmo remédios que, tomados regularmente, reduzem praticamente a zero o riscojogo diamond blazeuma infecção pelo HIV.

Esse foi o embrião para a Prep, a profilaxia pré-exposição.

“Só que todo mundo ficou tão entusiasmado com a prevenção biomédica que alguns ficaram preocupados: será que não estamos ignorando outras metodologias que não custam tanto, mas que eventualmente são muito mais fáceisjogo diamond blazeadministrar e promover?", questiona Parker.

Foi nesse caldojogo diamond blazedebates e inovações que surgiu a estratégiajogo diamond blazeprevenção combinada, reunida num esquemajogo diamond blazemandala com 9 sessões diferentes.

A ideia desse esquema visual é combinar uma sériejogo diamond blazeestratégias que, juntas, diminuem o riscojogo diamond blazeinfecção pelo HIVjogo diamond blazetoda a sociedade.

No Brasil, a mandala foi adotada pelo Ministério da Saúde e consiste em:

Mas qual é a melhor formajogo diamond blazeprevenção que existe?

“Aquela que o paciente se sente bem, que ele vai aderir e adotar", responde o médico Alexandre Naime Barbosa, coordenador científico da Sociedade Brasileirajogo diamond blazeInfectologia.

“E o ideal é usar estratégias combinadas. Por exemplo, fazer a Prep para prevenir o HIV e usar camisinha para evitar outras IST's", complementa o infectologista, que também é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

O médico sanitarista e epidemiologista Draurio Barreira, diretor do Departamentojogo diamond blazeHIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, compara a evolução das estratégias preventivas ao que aconteceu na pandemia recente, causada pelo coronavírus.

“No caso da covid-19, num prazo muito curto,jogo diamond blazepouco maisjogo diamond blazeum ano, houve toda uma transformação nos meiosjogo diamond blazeprevenção", começa ele.

“Primeiro vieram os métodosjogo diamond blazebarreira. No caso da covid-19, a máscara e o isolamento. Já no HIV, o preservativo.”

“Depois, para a covid-19, surgiram as ferramentas biomédicas, como as vacinas", continua o especialista.

Algo similar aconteceu com o HIV a partir da chegada das medicações que compõem a Pep e a Prep: essas opções têm uma alta taxajogo diamond blazeeficácia, que beira os 100%, e representaram uma nova formajogo diamond blazeproteção para uma parcela importante da sociedade.

Limitações e problemas da mandala

Barbosa avalia que a adoção dos métodos descritos na mandala ainda é muito desigual no Brasil.

“Tanto no consultório privado quanto na saúde pública, a prevenção do HIV depende muitojogo diamond blazeuma percepçãojogo diamond blazerisco, da pessoa sentir que está numa situaçãojogo diamond blazevulnerabilidade", diz ele.

Segundo o médico, o acesso aos métodos preventivos ainda não é homogêneo — e, para mudar isso, é preciso ampliar a chegadajogo diamond blazeinformações e a conscientização sobre o vírus.

“Os pacientes que vêm até o consultóriojogo diamond blazebuscajogo diamond blazeprevenir-se contra o HIV geralmente são indivíduos com bom poder aquisitivo, com mais anosjogo diamond blazeescolaridade,jogo diamond blazecorjogo diamond blazepele branca… Isso tudo reflete o acesso à informação e uma percepçãojogo diamond blazerisco", observa o especialista.

Parker concorda que a mandala “não é fáciljogo diamond blazeentender".

“Para compreender toda a mandala, você praticamente necessitajogo diamond blazeum PhD [um doutorado]", brinca ele.

“Precisamos usar técnicasjogo diamond blazeeducação popular, algo como uma pedagogia da prevenção, para capacitar as pessoas,jogo diamond blazemodo que elas entendam todas as opções e como usá-las com eficácia”, argumenta ele.

“As pessoas precisam entender para ter controle do que estão fazendo, para que possam decidir as coisas sem a tutelajogo diamond blazemédicos ou especialistas."

“E, para isso, precisamos também atacar questões estruturais, lidar com a pobreza, criar coalizões e ter uma resposta coletiva", complementa ele.

Barreira concorda que as pessoas precisam ter “autonomia para escolher os métodos” e pontua que o Ministério da Saúde está pensandojogo diamond blazesaídas para essa questão.

Uma das soluções que estájogo diamond blazediscussão no governo, por exemplo, é o fornecimentojogo diamond blazemáquinas dispensadorasjogo diamond blazePrep, Pep e autoteste do HIV para municípios com serviçosjogo diamond blazeteleatendimentojogo diamond blazesaúde.

“A ideia é que as pessoas não necessitem ir até uma unidadejogo diamond blazesaúde para ter acesso a essas ferramentas. Elas apenas precisariam fazer uma consulta pelo celular, gerar um QR code e ir até uma máquina dessas, que a gente pretende espalhar por metrôs, rodoviárias e outros locais com grande circulaçãojogo diamond blazepessoas", propõe o médico.

“Também não dá para a gestão aqui, do alto do Ministério da Saúde,jogo diamond blazeBrasília, definir qual é a melhor prática para quem está no interior do Piauí. É preciso customizar a prevenção para a realidade local", acrescenta ele.

Um desafiojogo diamond blazecomunicação

Barbosa acredita que o melhor caminho para transformar essa realidade e ampliar a prevenção do HIV envolve a chamada comunicação por pares — ou seja, encontrar e empoderar pessoas com capacidadejogo diamond blazeconversar (e serem ouvidas), especialmente pelos grupos definidos como populações-chave (gays e outros homens que fazem sexo com homens; pessoas trans; pessoas que usam álcool e outras drogas; pessoas privadasjogo diamond blazeliberdade e trabalhadoras do sexo) e populações prioritárias (adolescentes e jovens; negros; indígenas; indivíduosjogo diamond blazesituaçãojogo diamond blazerua).

"Sou um homem, professor universitário, heterossexual, cis,jogo diamond blazealto poder aquisitivo… Muitas vezes, por mais que eu seja treinado no assunto, não consigo ter um diálogo ou chegar, por exemplo, numa mulher trans que trabalha com sexo", explica ele.

Já Parker lembra com saudades das campanhas contra o HIV que o Brasil fez no passado.

"Nos últimos 10 ou 15 anos, o Brasil abandonoujogo diamond blazetradição ousadajogo diamond blazefazer uma prevenção lúdica, que valorizava a cultura da sexualidade e do prazer que o país possui", lamenta ele.

O diretor-presidente da Abia lembra que uma das últimas campanhas do tipo aconteceujogo diamond blaze2013, quando o Ministério da Saúde divulgou peças publicitárias voltadas às prostitutas — o que resultou na demissão do então diretor do departamento que cuidavajogo diamond blazeHIV e outras IST's.

"A extrema-direita atacou as campanhasjogo diamond blazeprevenção e todo programajogo diamond blazeaids brasileiro, porque esses eram alvos fáceis ejogo diamond blazegrande sucesso", opina ele.

"No fim do governo Dilma e nos governos Temer e Bolsonaro, essas comunicações foram censuradas e ficaram cada vez mais conservadoras", observa o antropólogo.

Barreira avalia que, atualmente, "não existem condições políticasjogo diamond blazevoltar a fazer as campanhas do passado".

"Hoje temos uma onda conservadora não apenas no Brasil, masjogo diamond blazetodo o mundo. No passado, não existia tanto conflito, a sociedade era menos dividida e os conversadores e a extrema-direita tinham pouco poder", pontua o especialista.

O sanitarista diz que, para lidar com todas esses entraves, o Ministério da Saúde traçou algumas estratégias.

"A primeira delas é nunca trabalharjogo diamond blazeforma isolada, especialmentejogo diamond blazeassuntos mais sensíveis", conta ele.

"Por exemplo, na questão das drogas. Qualquer campanha que façamos sobre reduçãojogo diamond blazedanos pode ter uma leitura, na parcela mais conservadora da sociedade, que estamos estimulando o usojogo diamond blazesubstâncias, quando é justamente o contrário."

"Mas, se nós fecharmos parcerias com o Ministério da Justiça, agências internacionais, as Nações Unidas e organizações da sociedade civil que trabalham com esse tema há muito tempo, conseguimos chegar até essas populações mais vulneráveis", pontua Barreira.

O médico cita uma outra iniciativa, focadajogo diamond blazehomens que fazem sexo com homens.

"Nós fizemos uma parceria com um aplicativojogo diamond blazerelacionamentos usado por esse público que, quando acontece o ‘match’ [dois usuários mostram interesse um no outro], abre-se uma caixajogo diamond blazediálogo no celular oferecendojogo diamond blazegraça autotestejogo diamond blazeHIV e Prep."

A iniciativa está sendo testada como um projeto-pilotojogo diamond blazecinco cidades brasileiras. Em algumas delas, esses métodos preventivos que fazem parte da mandala podem ser enviados diretamente para a casa da pessoa. Em outras, o usuário recebe a orientaçãojogo diamond blazeonde retirar o teste e o medicamento.

"Esse projeto, que começou há poucos meses, está com uma aceitação enorme. Vamos avaliá-lo por mais tempo para ver como ampliá-lo para o Brasil inteiro", informa o representante do ministério.

"Acreditamos que essa abordagem direcionada a alguns públicos pode ser mais efetiva, e invisibiliza a campanha para pessoas que não fazem parte das populações-chave que, se eventualmente virem uma propagandajogo diamond blazetelevisão na hora da novela, vão se indignar e achar que estamos jogando dinheiro público fora", raciocina Barreira.

Para o especialista, essa estratégia "pode trazer uma falsa impressãojogo diamond blazeque o ministério não tem feito campanhas".

"Mas as campanhas atuais são visíveis para quem precisa delas. Isso é mais viável do pontojogo diamond blazevista econômico e político", pontua ele.

Uma luz no fim do túnel?

Embora a prevenção do HIV tenha avançado bastante nas últimas décadas, os próximos anos prometem trazer mais novidades.

A que mais empolga as pessoas envolvidas nesse debate são as profilaxiasjogo diamond blazelonga duração.

Isso porque a Prep disponível hoje é feita a partirjogo diamond blazecomprimidos, que devem ser tomados todo o dia.

Ainda que esse método seja bastante efetivo, ele depende da memória e da iniciativa do indivíduo — se ele se esquecerjogo diamond blazetomar o remédio, pode se colocar num risco imprevisto.

Para lidar com essa questão, foi desenvolvida uma versão do medicamento cabotegravir cuja ação dura dois meses.

Trata-sejogo diamond blazeuma injeção intramuscular profunda, que precisa ser tomada a cada bimestre, e garante uma alta proteção contra a infecção pelo HIV.

Essa solução já está aprovada no Brasil pela Agênciajogo diamond blazeVigilância Sanitária (Anvisa) desde o finaljogo diamond blaze2023, mas ainda não está disponível no Sistema Únicojogo diamond blazeSaúde (SUS)jogo diamond blazeforma mais ampla.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o cabotegravir ainda traz algumas barreiras importantes, como o fatojogo diamond blazedependerjogo diamond blazeuma injeção intramuscular nas nádegas — para pessoas com prótesesjogo diamond blazesilicone nessa região do corpo, por exemplo, esse métodojogo diamond blazePrep se torna inviável.

Mas há outra novidade no horizonte: o lenacapavir, outro remédio usado como Prep a partirjogo diamond blazeuma injeção subcutânea, ou seja, mais superficial, tomadajogo diamond blazeseisjogo diamond blazeseis meses.

Os resultados dos estudos que avaliaram essa medicação mostraram uma alta taxajogo diamond blazeeficácia e foram apresentados durante a última Conferência Internacional sobre Aids, realizadajogo diamond blazejulho na cidadejogo diamond blazeMunique, na Alemanha.

"Eu frequento esse evento científico desde os anos 1990, e a edição deste ano foi certamente uma das mais marcantes", afirma Barreira.

Embora conceitualmente o medicamento não estimule nosso sistema imunológico a reconhecer e atacar o HIV, o fatojogo diamond blazeele ser aplicadojogo diamond blazeforma injetável a cada seis meses e ter uma alta taxajogo diamond blazeeficácia fez com que muita gente o comparasse a uma vacina.

Afinal, quando esse método estiver disponível (provavelmente a partirjogo diamond blaze2026, segundo as projeções mais recentes), bastará tomar uma dose por semestre para ficar protegido desse vírus.

"Hoje nós podemos trabalhar na perspectivajogo diamond blazeter uma 'vacina' contra a aids, ainda que esse termo precise ser usado entre aspas", diz Barreira.

"Com a Prep injetável semestral, nós começamos a ver uma luz no fim do túnel na erradicação do HIV como um problemajogo diamond blazesaúde pública", comemora Barbosa.

Parker também vê o avanço científico com bons olhos — mas chama a atenção para o riscojogo diamond blazea aids se tornar uma doença negligenciada nos próximos anos.

"A ciência continuará a avançar e eventualmente até teremos uma cura para o HIV", acredita ele.

"Mas eu tenho muito pessimismo sobre o que acontece quando um sistemajogo diamond blazeum país, ou o sistema global, decide que já fez o bastantejogo diamond blazerelação a uma doença", admite ele.

"A História está cheiajogo diamond blazecasosjogo diamond blazepandemias e epidemias que foram controladas o suficiente e deixaramjogo diamond blazeser um problema relevante para justificar o investimento e a continuidade das ações. É só ver o que aconteceu com a tuberculose e a malária."

"Meu medo é que ocorra o mesmo com a aids. Precisamos que os sistemas políticos continuem a dar a devida atenção à doença", conclui o antropólogo.