Quem é Asherah, 'esposaunibet livescoreDeus' que ficou fora da Bíblia:unibet livescore
É o caso do trecho, constante no livro dos Juízes,unibet livescoreque está escrito que “os filhosunibet livescoreIsrael fizeram o que é mau aos olhos do Senhor: eles se esqueceram do Senhor, seu Deus, e serviram aos Baalim e às Asherás” — este excerto é a versão da Tradução Ecumênica Bíblica.
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Fim do Matérias recomendadas
O que era uma deusa, Asherá, acabou reduzido às estatuetas da deusa, o que justificaria o plural. Mas a metonímia se torna ainda mais redutoraunibet livescoreoutras versões, como na tradução Almeida Revisada Atualizada,unibet livescoreque Asherá é substituída por “poste-ídolo”.
Na famosa tradução para o inglês conhecida como Authorized King James Version, o mesmo trecho usa o termo “groves” (bosques) no lugarunibet livescoreAsherá.
Objetificação para configurar idolatria
Stavrakopoulou identifica isso como um padrão no Antigo Testamento: a substituiçãounibet livescoremenções originalmente atribuídas à mulherunibet livescoreDeus por simplificações que configuravam idolatria ou elementos da natureza, sobretudo “árvore”, “árvore da vida” e “bosque”.
“A arqueologia hoje mostra que Asherá não foi sempre um objeto”, afirma a pesquisadora, no documentário. “Ela foi uma poderosa divindade, a mulher do Deus chefe unibet livescore El”.
À BBC News Brasil, por e-mail, a pesquisadora definiu Asherah como “o antigo nome hebraicounibet livescoreuma importante deusa adoradaunibet livescorevárias culturas levantinas [Levante é uma ampla área do Oriente Médio] no segundo e primeiro milênios a.C.”. Ela ressalta que o conhecimento que temos dela é maior a partir da cidade-estadounibet livescoreUgarit, onde hoje é a Síria, no final da Idade do Bronze.
“Ela era a mãe dos deuses e consorte do deus-supremo, El”, pontua ela. “Antigas inscrições hebraicas do século 8 a.C. a associam a Javé (nome que também foi adaptado do hebraico para "Jeová"), a divindade patrona do antigo reinounibet livescoreIsrael e Judá. Essas inscrições sugerem que ela era uma deusa protetora, concedendo bênçãos divinas aos adoradores, e que ela desempenhou um papel crucial na mediação entre os humanos e o deus-supremo Javé”, completa.
Para os cananeus, El era o deus criador. E pesquisadores contemporâneos acreditam que o Deus bíblico, Javé, seja a fusãounibet livescoredeusesunibet livescoremitologias antigas, inclusive El, no processounibet livescoremonoteização.
“A Bíblia usa a palavra Asherah e aunibet livescoreforma plural, asherim, várias vezes. O termo é limitado à literatura que foi composta durante e após o reinadounibet livescoreJosias, no fim do século 7 a.C., e apareceunibet livescoreduas maneiras diferentes”, explica à BBC News Brasil o teólogo americano Daniel McClellan, cujo mestrado foi sobre estudos judaicos na Universidadeunibet livescoreOxford.
“Uma das formasunibet livescoreuso éunibet livescorereferência à deusa, mas este não é o uso mais comum da palavra. A maior parte do uso éunibet livescorereferência a uma imagem divina, um ídolo, que pode ter sido representado ou se assemelhado a uma árvore. Este fato resulta, provavelmente, da associação feita entre a deusa Asherah, na arte, com árvores.”
Stavrakopoulou lembra que, embora a Bíblia “frequentemente se refira a Asherah”, isso costuma ocorrer “quase sempreunibet livescoretermos negativos”. “Ela é lançada como uma divindade ‘estrangeira’, adorada tanto por cananeus quanto por israelitas idólatras e judaítas [referente aos habitantesunibet livescoreJudá], vilipendiados por criar imagens ou objetos sagrados que manifestamunibet livescorepresença”, contextualiza, lembrando que “essas imagens e objetos também recebem o nomeunibet livescore‘asherah’”.
“A maioria dos estudiosos concorda que o retrato bíblicounibet livescoreAsherah é deliberadamente distorcido e depreciativo, e que ela provavelmente era adorada como um membro importanteunibet livescoreum antigo panteão israelita e judaico, no qual Javé desempenhou um papelunibet livescoreliderança”, acrescenta a teóloga.
McClellan situa as origens da divindade na Idade do Bronze (de 3300 a 1200 a.C.), entre o povo hurrita, que habitou parte da Mesopotâmia até os séculos 14 ou 13 a.C. De lá, segundo o pesquisador, o culto se espalhou para a antiga Ugarit, a Anatólia (hoje, Turquia), a Fenícia “e o território atualmente ocupado por Israel e Palestina”.
“Ela foi identificada como a consorte ou parceria das altas divindades Anu, da Mesopotâmia, e El, do mundo semítico ocidental, desempenhando assim um papel significativo nos panteões do antigo sudoeste asiático”, complementa ele. “Estava associada à fertilidade e à guerra e, nos primeiros anosunibet livescoresua existência, estava associada ao mar e à pesca.”
A ideiaunibet livescoreAsherah como mulherunibet livescoreDeus se confirma por achados arqueológicos que vão alémunibet livescoresua representação imagética. Conforme conta McClellan — e também mostra Stavrakopoulou no documentário —, antigas inscrições hebraicas foram descobertasunibet livescoreescavações com textos que mencionam Javé “e aunibet livescoreAsherah”.
“Uma dessas inscrições foi escrita diretamente sobre um desenhounibet livescoredivindades masculinas e femininas com braços entrelaçados”, relata ele. O teólogo afirma que “é provável que Asherah também fizesse parte do primeiro panteão israelita”.
Essas descobertas arqueológicas começaram a ocorrer a partir dos anos 1950. “E o que se encontrou mostra que ela foi uma figura central nesse judaísmo antigo”, comenta à BBC News Brasil o pesquisador Thiago Maerki, estudiosounibet livescoretextos antigos e membro da Hagiography Society, dos Estados Unidos.
“Nos anos 1960, foram descobertas estátuas quebradas, representando mulheres, perto do Templounibet livescoreSalomão,unibet livescoreJerusalém. Acredita-se que o fatounibet livescoreelas estarem juntas seja o indicativounibet livescoreque foram ali depositadas quando houve a determinação, por parte do rei, da destruiçãounibet livescoretodas as representaçõesunibet livescoreAsherah”, diz Maerki.
A deusa proibida
Segundo a teóloga Stavrakopoulou, as “tentativasunibet livescoredistorcer e difamar” a deusa provavelmente começaram na segunda metade do primeiro milênio a.C, “depois que o templounibet livescoreJerusalém foi temporariamente destruído pelos babilôniosunibet livescore587 a.C.”.
“À medida que o templo foi reconstruído, o mesmo aconteceu com a adoração a Javé: e Javé tornou-se um deus intolerante com todas as outras divindades, incluindo a deusa Asherah”, comenta ela.
Nesse processo, segundounibet livescoreexplicação, Javé “assumiu os papéisunibet livescoreoutras divindades”. Ao mesmo tempounibet livescoreque a religião se “masculinizaria”, com a ideiaunibet livescoreque “havia apenas um deus, e ele era homem”, Asherah passou a ser tratada como “uma divindade falsa ou ilegítima” eunibet livescoreadoração passou a ser tachada como “primitiva”.
Em artigo intitulado "Asherah: a deusa proibida", publicadounibet livescore2007 na Revista Aulas, da Universidade Estadualunibet livescoreCampinas (Unicamp), a teóloga Ana Luisa Alves Cordeiro explica como apagamentounibet livescoreAsherah se deu durante o processounibet livescoretransformação das religiões politeístasunibet livescoreuma crença monoteísta.
“Reconstruir a presença da deusa Asherah na vidaunibet livescoremulheres e homens no antigo Israel é um esforço de, a partirunibet livescoreuma perspectiva feminista eunibet livescoregênero, trazer elementos que nos ajudem numa maior aproximação do que foram os espaços religiosos e vitais deste povo”, escreve ela.
“Esta reconstrução é algo necessário, uma vez que estamos dianteunibet livescoretextos sagrados marcados pelo sistema patriarcal, onde há o domínio do pai e quiriarcal, onde há o domínio do senhor.”
Este processo não ocorreuunibet livescoreuma hora para outra e, ao que tudo indica, passou a ser enfatizado nas escrituras a partir do século 8 a.C., com o profeta Oseias equiparando a adoraçãounibet livescoreoutras divindades que não Javé ao pecado da idolatria. É a partirunibet livescoreentão, e sob este contexto, que as menções a Asherah começam a ser ressignificadas na literatura antiga.
Cordeiro pontua as modificações da representação da deusa ao longo desses séculos, lembrando que, entre 1800 e 1500 a.C., ela costumava ser esculpida como uma deusa-nua, “destacando o triângulo púbico, emergindo também representaçõesunibet livescoreformaunibet livescoreramos ou pequenas árvores estilizadas, combinação que vem a ser denominada ‘deusa-árvore’.
Algum tempo depois, essa metáfora arbórea também sofre mudanças, “aparecendounibet livescoreformaunibet livescoreuma árvore sagrada flanqueada por cabritos ou como um triângulo púbico, que substitui a árvore”.
“Neste período, já se nota a tendênciaunibet livescoresubstituição do corpo da deusa pelos seus atributos,unibet livescoreespecial a árvore”, enfatiza a pesquisadora, destacando que houve “uma mudança decisiva no campo das figurasunibet livescorematerial mais precioso: as deusas nuas foram substituídasunibet livescoregrande parte por deuses guerreiros (…).”
“A deusa continua perdendo representatividade na religião oficial, onde divindades masculinas ganham cada vez mais força, principalmente a partirunibet livescorecaracterísticas dominadoras e guerreiras”, afirma ela.
Apesarunibet livescoreevidências históricas desses processo, há ainda uma resistência na aceitação. “A dificuldade ou relutância com que alguns acadêmicos bíblicos encaram a evidência da pluralidade divina (…) pode muito bem refletir,unibet livescoreparte, um choque cultural ou um desconforto decorrente das preferências religiosas e filosóficas das tradições intelectuais ocidentais (…)”, escreve Stavrakopoulou, no capítulo que assina do livro The Bible and the feminism (A Bíblia e o feminismo).
“O próprio conceitounibet livescoreum ‘Deus’ monoteísta e transcendente, que continua a dominar o discurso cultural ocidental, é ounibet livescoreuma divindade única e solitáriaunibet livescoredesempenho e envolvimento ‘macrorreligioso’ (…).”
McClellan conta que as tentativasunibet livescoremarginalizar ou apagar Asherah começaram “provavelmente por volta do reinadounibet livescoreJosias”, no século 7 a.C., “que implementou uma campanhaunibet livescorecentralização do culto para garantir” um monopólio da fé no templounibet livescoreJerusalém.
Datam desta época livros bíblicos como o do Deuteronômio. “Um dos principais objetivos do Deuteronômio eunibet livescoreoutros livros bíblicos que se lhe seguiram, conhecidos como literatura deuteronomista, era eliminar o culto a Asherah”, diz o teólogo.
A tática principal era associar o nome dela a um ídolo, e não a uma deusa. “Outra era recontar as histórias dos reis que vieram antesunibet livescoreJosias e pintá-los como reis perversos que estavam conscientemente violando a lei quando permitiam a adoraçãounibet livescoreAsherah”, acrescenta.
Deu tão certo que, segundo frisa o teólogo, a partirunibet livescoremeados do século 4 a.C. “o judaísmo já havia praticamente esquecido que a deusa Asherá havia feito parte do panteão israelita primitivo”.
Esse processo foi intensificado com a ajuda do exílio babilônico, ocorrido no século 6 a.C. “A literatura que foi escrita para ajudar Israel a permanecer fiel àunibet livescoreidentidade étnica e ao seu Deus Javé, na sequência dessa crise, ajudaram a reescrever a compreensão que Israel tinhaunibet livescoresi próprio”, analisa McClellan.
“Isso incluiu a vilipendiação do culto a Asherah, que tinha lugar antes do reinadounibet livescoreJosias, e a autocompreensãounibet livescoreIsrael avançaria dando prioridade a esse novo entendimento do papelunibet livescoreJavé como objeto exclusivo do culto israelita.”
O teólogo conclui que “a continuação do culto a Asherah não teria qualquer chanceunibet livescoretal ambiente”.
“Nesse contexto patriarcal, a figuraunibet livescoreJavé se torna símbolo da representação do sagrado masculino, queunibet livescorefato justificaria a dominação masculinaunibet livescorevários aspectos sociais, econômicos, religiosos e políticos”, contextualiza Maerki.
“A gente pode dizer que a religião oficialunibet livescoreIsrael vai adquirir uma identidade unicamente masculina e o feminino, assim como a deusa Asherah, vai para o plano secundário.”
Uma sociedade que privilegia o masculino
Talvez estejam aí as raízes da sociedade patriarcal que se formaria no Ocidente, afinal.
“O apagamentounibet livescoreAsherah e o surgimento dessa cultura mais centrada na figuraunibet livescoreum Deus masculino é, apesarunibet livescoredistante da nossa época e da nossa realidade contemporânea, algo que tem muito a dizer simbolicamente sobre as relações entre homens e mulheres no nosso mundo”, reflete Maerki.
“Porque vivemosunibet livescoreum mundo marcado pelo machismo, pela centralidade do homem, e pela luta das mulheres cada vez mais por igualdade.”
“Quando a gente vê o apagamento da deusa, estamos pensando naquilo que seria o iníciounibet livescoreuma cultura patriarcal que, depois, imperaria no mundo”, completa.
Mas é uma história que vem sendo revisitada e reescrita. Como comenta Stavrakopoulouunibet livescoreseu texto, “mais recentemente, a maior parte dos estudiosos bíblicos e historiadores das antigas sociedades israelitas e judaicas passaram a reconhecer este retrato antigo”.
Ela acrescenta que, nas últimas décadas, a maneiraunibet livescoreestudar o assunto vem sofrendo mudanças, “motivadasunibet livescoreparte pela influência persuasiva da crítica feminista, queer, pós-colonial e sociocientífica” e isso desafia “seriamente a confiança na fiabilidade histórica”unibet livescorecomo a Bíblia retrata o passado, bem como mostra como tanto os escritores dos textos considerados sagrados quanto seus estudiosos ao longo dos últimos séculos “podem, muitas vezes, terem deturpado as realidades religiosas”.
No e-mail trocado com a reportagem, a teóloga acredita que Asherah foi vítimaunibet livescoreum longo e exitoso processounibet livescoredifamação. “A campanha da Bíblia contra Asherah foi tão bem-sucedida que, mesmo no mundo antigo,unibet livescoreadoração como deusa plena logo desapareceu”, afirma. “Com o surgimento do monoteísmo, consolidou-se a crençaunibet livescoreque havia apenas um deus, e esse deus era masculino.”
Stavrakopopulou, contudo, entende que vestígios desse feminino divino resistiram tanto no judaísmo como no cristianismo.
“No judaísmo antigo, a sabedoria divina estava intimamente associada a uma ‘árvore da vida’, e a sabedoriaunibet livescoreDeus era personificada como figura semelhante a uma deusa criada pelo próprio Javé”, diz.
“Em vários textos judaicos antigos, ela atua como mediadora entre os adoradores e o Senhor. Em algumas formasunibet livescorecristianismo tradicional, Maria, a mãeunibet livescoreJesus, tornou-se uma mãe celestial, mediando bênçãos entre Deus e seus adoradores.”