'Quer dialogar sobre o racismo? Leia uma mulher negra', diz finalista do Jabuti:internacional bet365

Luciany Aparecida sentada e sorrindointernacional bet365evento

Crédito, Divulgação/Hildermar Terceiro

Legenda da foto, 'Ser negra no Brasil é um lugarinternacional bet365incômodo', diz a escritora Luciany Aparecida

No último dia 11, com seu sorriso largo e os cachos volumososinternacional bet365quem deixou esse episódio para trás, Aparecida recebeu o Prêmio São Paulointernacional bet365Literatura na principal categoria, ainternacional bet365melhor romance, por seu livro Mata Doce (Alfaguara/Companhia das Letras) — que foi indicado ao Prêmio Jabuti na categoria romance literário.

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Na noite desta terça-feira (19/11), foi anunciado que o prêmio na categoria foi vencido por Itamar Vieira Junior com seu livro Salvar o Fogo.

A BBC News Brasil conversou com Luciany Aparecida antes do anúncio dos vencedores do Jabuti, durante a Festa Literária das Periferias (FLUP), no Riointernacional bet365Janeiro, onde 90% das convidadas eram mulheres negras.

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Mata Doce é o primeiro livro que Aparecida – que também é doutorainternacional bet365Letras e professora da PUCinternacional bet365São Paulo – assinou com seu nome verdadeiro.

Nesta entrevista, ela conta ter escrito livrosinternacional bet365segredo por muitos anos antesinternacional bet365tomar corageminternacional bet365se afirmar escritora. E diz que escrever é “acionar um lugarinternacional bet365existência”internacional bet365um país racista e patriarcal como o Brasil.

“Quando eu escrevo,internacional bet365alguma medida, estou criando um mundo possível para o meu corpo viver no Brasil, o que nem sempre é possível”, afirma Aparecida.

“Você quer dialogar com a sociedade sobre o racismo? Leia uma mulher negra”, indica. “Esse é o melhor diálogo que podemos fazer.”

Leia abaixo a entrevista completa.

internacional bet365 BBC News Brasil - Você cresceuinternacional bet365uma zona rural humilde na Bahia e conseguiu se formarinternacional bet365Letras, ser doutora, escritora e agora obter esse reconhecimento. Está mais fácil, no Brasilinternacional bet365hoje, dar um salto tão grande?

internacional bet365 Luciany Aparecida - Não sei se está mais fácil. Mulheres como eu sempre transitamos por lugares pelos quais não se imaginava que pudéssemos transitar no Brasil. Temos uma tradiçãointernacional bet365mulheres que acionam lugaresinternacional bet365deslocamento social, intelectual e cultural.

Venhointernacional bet365uma tradição na qual a intelectualidade não está associada a uma carreira acadêmica ou classe social. Conheço grandes intelectuais que sãointernacional bet365uma classe pobre. E isso não está na tradição hegemônicainternacional bet365como a sociedade está organizada, ou no pensamento eurocêntrico que as universidades vendem.

Minha literatura dialoga muito com a história do Brasil. Na história, temos mulheres que foram arrastadas para o Brasil pelo sequestro, aqui vivendo no sistema escravista, e isso não as impediuinternacional bet365acionar lugaresinternacional bet365liberdade, o que era um salto absurdointernacional bet365vida. As mulheres negrasinternacional bet365minha família fizeram deslocamentos assim.

Ao mesmo tempo, sim, no Brasil isso é mais visível nos últimos dez anos. As cotas nas universidades alteram a intelectualidade nesse contexto. A chegadainternacional bet365professoras negras nas universidades abre o referencial bibliográfico das disciplinas, e vemos mais escritoras negras nas bibliografias.

Isso forma um público leitor que força editoras a ter livrosinternacional bet365mulheres negras. Isso faz com que a carreira literáriainternacional bet365uma mulher como eu tenha possibilidadeinternacional bet365disputa nas cenas literárias mais hegemônicas, porque existe um público leitor, porque há uma crítica com disposiçãointernacional bet365ler o texto, fazer entrevistas, conversar, tudo vai casando.

internacional bet365 BBC News Brasil - Essas intelectuais que você menciona são dainternacional bet365família?

internacional bet365 Aparecida - Sim. Minha avó materna foi contratada como professora para ensinar uma família branca a ler no começo do século 20. Ela erainternacional bet365uma classe pobre e acionou um lugarinternacional bet365intelectualidade – a leitura e a escrita – e foi contratada como professora.

Minha avó materna é uma mulher negrainternacional bet365pele retinta, que teve acesso ao ensino formal no começo do século 20 porqueinternacional bet365madrinha, uma mulher branca que não teve filhos, financiou seu estudo formal. A partir disso, ela se tornou professora.

Essa ainda é uma história do escravismo no Brasil, porque esse deslocamento intelectual não quis dizer (mudança de) classe. Minha avó fez um deslocamento intelectual, mas não passou a ser uma mulher rica. Essas questões são complexas. Mas o que quero dizer é que tive a quem puxar (risos).

Aparecida gesticulando e sorrindo enquanto falainternacional bet365evento, sentada

Crédito, Divulgação/Hildermar Terceiro

Legenda da foto, Antesinternacional bet365publicar Mata Doce, Aparecida usava pseudônimos

internacional bet365 BBC News Brasil - Você ganhou o Prêmio São Paulo ao ladointernacional bet365Eliane Marques. Foi simbólico que duas mulheres negras tenham ganhado esse prêmio tão importante. Isso fala da importância da cenainternacional bet365escritoras negras, desse espaço que está se abrindo no Brasil?

internacional bet365 Aparecida - Eu queria muito dizer que sim. Mas no Brasil existem muitas mulheres negras como eu e a Eliane escrevendo literatura há muito tempo. Estamosinternacional bet365um bom momento, mas issointernacional bet365nenhum modo quer dizer que não existiram mulheres antes da gente. Se estamos ocupando esse lugar, é unicamente porque muitas mulheres estão escrevendo há muito tempo.

E essas mulheres criaram público leitor para a nossa literatura no Brasil. Se hoje chegamos a esses prêmios, é porque existe um público leitor.

Não era para ser extraordinário nós duas ganharmos um prêmio. Era para ser cotidiano. Mas se a gente para para pensar, qual foi a última mulher negra que ganhou na categoria romance um prêmio literáriointernacional bet365destaque no Brasil? Qual mulher baiana ganhou um prêmiointernacional bet365destaque assim?

Temos marcos como Um Defeitointernacional bet365Cor (Ana Maria Gonçalves), Ponciá Vicêncio (Conceição Evaristo), O Crime do Cais do Valongo (Eliana Alves Cruz), três romances que fundaram uma geraçãointernacional bet365mulheres romancistas no Brasil, mesmo sendo completamente diferentes entre si. Isso gera um desejointernacional bet365escrita, uma inspiração. Esses textos nos humanizam.

No Prêmio São Paulointernacional bet365Literatura, Lília Guerra estava na mesma categoria que eu com o romance O Céu para os Bastardos. Esse livro me humanizou. Fui felicíssima para a cerimônia pensando que poderia dizer isso para ela. Ao ler o livro, eu pensei, “a históriainternacional bet365minha vida no meu país tem validade”. Isso me dá uma segurança absurdainternacional bet365existir. Isso me diz, está tudo bem, você pode viver.

internacional bet365 BBC News Brasil - Qual é a temática do livro, o que te tocou?

internacional bet365 Aparecida - Ele fala dessa possibilidadeinternacional bet365deslocamento na sociedade e dos lugaresinternacional bet365existência das mulheres. Livros como o Céu para os bastardos e Louçasinternacional bet365família (Eliane Marques) trazem personagens femininas negras complexas, que ocupam lugaresinternacional bet365exaustão na sociedade, mas ao mesmo tempointernacional bet365reflexão existencial profunda.

Então você pensa, ok, eu vivo situaçõesinternacional bet365violência einternacional bet365exaustão, mas eu também posso dialogar intelectualmente sobre isso no mundo.

Quando lemos esse livro, ganhamos dignidade. E eu penso assim, eu posso ser escritora, eu posso continuar fazendo o que estou fazendo. Isso é fundamental para complexificar o mundo, independente da pessoa leitora ser branca ou negra. Todo mundo ganha, todo mundo sai com uma maior percepção.

internacional bet365 BBC News Brasil - Como foi a sensaçãointernacional bet365receber o prêmio?

internacional bet365 Aparecida - Estou felicíssima com o prêmio e com a possibilidadeinternacional bet365que as pessoas leiam Mata Doce. Eu acho que essa é a maior dignidade. O maior prêmio que uma escritora viva pode receber é que as pessoas leiam o seu livro.

Então quero só dizer para todas as pessoas – você quer dialogar com a sociedade sobre o racismo? Leia uma mulher negra. Esse é o melhor diálogo que podemos fazer.

internacional bet365 BBC News Brasil - A Flup deste ano focouinternacional bet365histórias e biografias ligadas à diáspora africana, com 90% das convidadas sendo mulheres negras. O que um evento como esse representa, a seu ver? Qual a importância que tem?

internacional bet365 Aparecida - A inspiração. É um evento inspirador, primeiro porque entendemos que não estamos sozinhas elaborando a arte. Ampliamos as nossas referências. Ao ler outra escritora, ao ouvi-la falar, isso tocainternacional bet365coisas que também pensávamos, mas não tínhamos segurançainternacional bet365afirmar.

Ao mesmo tempo, para o públicointernacional bet365modo geral, (a importância) é entender isso com mais complexidade. Entender que não é um elemento isolado da cultura ou da literatura brasileira. É um movimentointernacional bet365mulheres negras afrodispóricas. Os nossos trabalhos dialogam, criam uma ponteinternacional bet365diálogo uminternacional bet365outro. E isso é fundamental, porque foi assim que a gente sobreviveu.

Eu estou hoje aqui podendo contar essas histórias porque muitas mulheres fizeram ponteinternacional bet365sobrevivência entre si. Se não, teria vencido a teoria do embranquecimento no Brasil no final do século 19, que disse que a minha geração não funcionaria. Seria embranquecida completamente e esqueceria que somos negras.

internacional bet365 BBC News Brasil - Quando seu avô faleceu, você conta queinternacional bet365família achou um baú embaixo da cama com uma edição do poema internacional bet365 O navio negreiro internacional bet365 ,internacional bet365Castro Alves, que ficou para você. Quando foi que a história da escravização entrou nainternacional bet365percepção? Ou mesmo ser negra, quando você começou a refletir sobre isso?

internacional bet365 Aparecida - Primeiro que refletir sobre ser negra no Brasil não é simples, porque estamos falandointernacional bet365um país absurdamente racista, e o racismo é marcado por traços físicos e estereótipos. Quanto mais uma pessoa tem registros no corpo, mais ela pode se aproximar ou se afastar.

Para as mulheres pardas, a identificação com uma mulher negra não é simples. Comecei a me entender como mulher negra porque a minha avó dizia isso, “somos uma família negra”, apesarinternacional bet365termos pessoasinternacional bet365diferentes tonsinternacional bet365pele no núcleo familiar.

Mas é a sociedade que diz que sou uma mulher negra. Foi o mundo que primeiro disse que sou negra. Foi a escola, do jeito mais perverso possível.

Quando eu tinha 12 ou 13 anos, uma vizinha me levou para relaxar o cabelo. Quando cheguei à escola, foi um susto. As pessoas diziam, “nossa, eu nem sabia que você tinha cabelo”.

Quando eu defendi o meu doutorado, há uns 11 anos, fui ao teatro sozinha para comemorar. Estava feliz. Quando eu me sentei, uma mulher atrásinternacional bet365mim disse: “Pessoas com esse tipointernacional bet365cabelo não deveriam frequentar esses espaços”.

Ela se sentiu incomodada porque meu cabelo estava armado e ela não conseguia ver o palco.

Então, são as pessoas que me dizem isso. Ser negra no Brasil é um lugarinternacional bet365incômodo. Obviamente somos muito diversas, e para uma mulher negrainternacional bet365pele retinta a experiência é completamente diferente, não dá para falarinternacional bet365uma perspectiva hegemônica.

Mulheres negras protestando à noite; uma delas levanta cartaz que diz 'Pela vida das mulheres pretas'

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Manifestação da Jornada Nacionalinternacional bet365Luta Pelas Vidas Negras no Riointernacional bet365Janeiro,internacional bet3652023; escritora afirma que, no Brasil, a vida dela 'às vezes corre perigo'

internacional bet365 BBC News Brasil - Você costuma se afirmar como mulher negra, baiana, nordestina. O seu impulso pela literatura tem a ver com esses traços identitários, com um desejointernacional bet365falar deste lugar?

internacional bet365 Aparecida - O meu impulso pela literatura tem a ver com um desejointernacional bet365vida. Como no Brasil minha vida às vezes corre perigo, acionar um lugarinternacional bet365escrita é acionar um lugarinternacional bet365existência, porque estou defendendo a minha vida,internacional bet365alguma medida.

Quando eu escrevo,internacional bet365alguma medida, estou criando um mundo possível para o meu corpo viver no Brasil, o que nem sempre é possível. Mata Doce tem como personagens principais duas mulheres que vivem um relacionamento amoroso, são velhas, vivem numa comunidade rural e adotam uma criança.

Esse não é um núcleo familiar que possa viverinternacional bet365paz no Brasil. Se a gente vai para as estatísticas, o feminicídio, para dizer o mínimo... Nem quero ficar trazendo isso, porque às vezes é cansativo ficar acionando esses lugaresinternacional bet365violência.

Mas acho que escrevo para estar... Eu não sei o que é não escrever. Comecei a escrever adolescente, ali na transição entre a infância para a adolescência. Quando eu tinha 11 anos, ganhei um diário e comecei a escrever. E aí nunca não escrevi. Então eu não sei muito o que seria não escrever.

internacional bet365 BBC News Brasil - internacional bet365 Mata Doce internacional bet365 é o primeiro livro que você assinou com o seu nome. Antes, você usava pseudônimos. Em uma entrevista você contou que tomou coragem após visitar mulheresinternacional bet365uma prisão. Como foi essa história?

internacional bet365 Aparecida - Eu sempre escrevia livros e os deixavainternacional bet365casa. Eu já devia estar no sétimo exemplar. Eu mesma fazia o livro. Na adolescência, eu datilografava. Depois, passei a fazer no computador. Imprimia e costurava todas as páginas.

Em 2011, eu estava escrevendo um livro com a personageminternacional bet365uma mulher que havia estado presa – Florim, que depois foi publicado com a assinatura Ruth Ducaso. Aí uma amigainternacional bet365comum disse que eu tinha que conhecer a Denise Carrascosa, professora da Universidade Federal da Bahia, porque ela realizava oficinas no presídio.

Até então, eu nunca tinha publicadointernacional bet365uma editora. Eu fazia livrosinternacional bet365artista, um único volume, e guardavainternacional bet365casa. E eu nunca tinha ditointernacional bet365público, “eu escrevo”.

internacional bet365 BBC News Brasil - Você não mostrava esses livros para ninguém?

internacional bet365 Aparecida - Não, não mostrava. Eu tinha muita vergonha. Eu não falava pra ninguém. Mas precisei dizer para a Denise e explicar que estava fazendo uma personagem. Ela falou, tá, você pode ir comigo, mas vai ter que dizer isso para as mulheres, dizer qual é a sua. Eu pensei, meu Deus, vou ter que falarinternacional bet365público que eu escrevo, que desespero.

Quando chegamos lá, havia um grupointernacional bet365umas 15 mulheres no pátio do presídio para a aulainternacional bet365Denise, mas muitas outras estavam lá, e algumas mulheres iam ser liberadas. Quando uma mulher presa vai sair, as outras gritam muito, batem copos na cela para comemorar, era um barulho muito grande.

Eu aproveitei do barulho para contarinternacional bet365um jeito que não se ouvisse muito. Eu disse, gente, fiquem bem pertointernacional bet365mim porque eu tenho um segredo para contar. “Eu sou escritora”. Foi a primeira vez que eu oralizeiinternacional bet365um lugar.

Acho que isso é muito significativo. As estatísticasinternacional bet365mulheres negras presas no Brasil são absurdas, são várias complexidades. Mas falo no lado simbólico – ao pensar o que é ser uma mulher negra presa no Brasil no campo simbólico.

Eu era uma escritora presa. Por não entender que eu podia, numa cena pública, dizer assim: eu escrevo, eu sou escritora.

Não é simples. Não é simples para uma mulher numa sociedade machista e patriarcal assumir lugares. Aí se a gente vai acrescentando: mulher negra, mulher nordestina, mulher LGBT, é muita sacola que a gente tem que carregar.

A Gloria Anzaldúa diz que escrever é poder colocar alças no mundo para melhor segurar. Então é isso, é muita sacola que a gente tem que segurar. E se sustentarinternacional bet365pé, ereta, com muita sacola, não é simples. Então ali,internacional bet365algum jeito, eu me senti, por mais contraditório que pareça, acolhida, segura. Foi assim que se deu.