Os heróis que espalharam a capoeira pelo mundo - e influenciaram até o breaking:tjsports bets

"Loremil era fantástico", diz Jelon sobre as habilidadestjsports betsseu parceiro, mortotjsports bets1994. "E ele era muito bonito. [Vendo] o corpo dele, dava pra estudar anatomia."

Jelon diz que os estudantes ficaram impressionados com os movimentos e, após a exibição, tentaram imitá-los.

Começava ali um intercâmbio que duraria muitos anos e que, segundo Jelon, fez com que o breaking incorporasse vários movimentos da capoeira, entre os quais o piãotjsports betscabeça, o relógio e o piãotjsports betsmão (nos quais o praticante rodopia apoiadotjsports betsdiferentes partes do corpo).

A relação entre a capoeira e o breaking já foi citada pelo jornal The New York Times. Em 1989, Jon Pareles, chefe da editoriatjsports betsartes do jornal, definiu a capoeira como "uma dançatjsports betsartes marciais que antecipou o break dancing".

Mestre Jelon diz que chegou a ser descrito pela imprensa americana como o "pai do breaking", mas rejeita o título. "Eu não criei o break dance, mas contribuímos com ele", diz.

Para Jelon, ainda que o breaking moderno tenha surgidotjsports betsNova York, o esporte é "mais um presente da África para o mundo".

Ele diz ter reforçadotjsports betsconvicção ao ver o documentário "The North Rejoices",tjsports bets1959. Nele, moradorestjsports betsuma aldeia na Nigéria executam vários movimentos semelhantes aos do breaking moderno.

Sucesso da capoeiratjsports betsNova York

Mas o papel da capoeiratjsports betsNova York vai bem alémtjsports betssua influência no breaking. Uma pesquisa no Google hoje revela a existênciatjsports bets22 academiastjsports betscapoeira na cidade.

Além disso, várias escolas públicas nova-iorquinas oferecem a modalidade - ago incomumtjsports betscidades brasileiras, segundo mestre Jelon.

Ele conta que a capoeira lhe abriu portas para que também se tornasse coreógrafo nos EUA. Jelon é fundadortjsports betsuma companhiatjsports betsdança (DanceBrazil), e já coreografou musicais da Broadway e filmestjsports betsHollywood, como Brenda Starr (1989), estrelado por Brooke Shields, e Boomerang (1992), com Eddie Murphy.

Grandes feitos para quem chegou a Nova York aos 22 anostjsports betsidade sem falar inglês.

Nascidotjsports betsSanto Amaro, no Recôncavo Baiano, e criado por uma mulher negra, viúva e mãetjsports betssete filhos, Jelon aprendeu capoeira aos 10 anos no Engenho Velhotjsports betsBrotas, bairrotjsports betsSalvador para onde a família se mudou natjsports betsinfância.

Até que, durante a ditadura militar (1964-1985), uma notícia o chacoalhou: três amigos desapareceram após colar panfletos políticos nas ruas para ganhar uns trocados.

"Eu me revoltei com aquilo, disse 'não quero mais ficar no Brasil'. Eu lembrei que eu era capoeirista, e aquela era a minha única salvação", conta.

Jelon sabiatjsports betsum grupotjsports betsSalvador que estava contratando capoeiristas para apresentaçõestjsports betscultura afro-brasileira no exterior, o Viva Bahia, coordenado pela etnomusicóloga Emília Biancardi.

Ele fez um teste e passou. Em 1974, integrou uma expedição que tinha entre seus integrantes um dos capoeiristas mais conhecidos do Brasil na época, mestre João Grande, com quem seu caminho voltaria a se cruzar adiante.

A viagem incluiu apresentaçõestjsports betsvários países da Europa e no Irã, na época uma monarquia comandada pelo xá Reza Pahlavi (1919-1980). "Fizemos um show para família real e convidados. Era coisatjsports betssonhos", ele recorda.

No dia seguinte à apresentação para o xá, Jelon conta que o grupo se exibiu para o "povão" iranianotjsports betsum teatro lotado. Ele diz que o público foi ao delírio quando os capoeiristas entraramtjsports betscena. "Eles não estavam acostumados a ver homens sem camisa e ficaram doidos", conta.

A viagem, porém, quase terminatjsports betstragédia: uma dançarina do grupo foi apedrejada ao caminhar por Teerã com um vestido que deixava o corpo à mostra. Jelon diz que a jovem chegou a ser hospitalizada por causa dos ferimentos, mas se recuperou.

Primeira escolatjsports betscapoeira fora do Brasil

Depois da viagem, Jelon deixou o grupo Viva Bahia e foi tentar a sortetjsports betsNova York. Em 1975, ele abriu no bairro Soho, na ilhatjsports betsManhattan, o espaço que ele considera "a primeira escolatjsports betscapoeira fora do Brasil".

Foi o iníciotjsports betsuma carreiratjsports betssucesso - e que lhe deu uma condição financeira a que poucos mestrestjsports betscapoeira poderiam almejar no Brasil.

A BBC News Brasil entrevistou Jelon Vieiratjsports betsSalvadortjsports betsjaneirotjsports bets2024, durante o 5º Rede Capoeira, evento que homenageou mestrestjsports betscapoeira com papel central na história da modalidade.

Como Jelon, alguns dos homenageados decidiram deixar o Brasiltjsports betsbuscatjsports betsmelhores condições. E para um antigo companheirotjsports betsJelon ali presente, a viagem à Bahia tinha um sabor especial.

O retornotjsports betsJoão Grande

A tarde caíatjsports betsSalvador, e uma multidãotjsports betscapoeiristas aguardavatjsports betsuma tenda ao lado do Mercado Modelo por uma das atividades mais esperadas do evento, classificado pelos organizadores como "o maior encontrotjsports betscapoeiratjsports betstodos os tempos".

"Filho, vem ver, é mestre João Grande", uma mulher sussurrou enquanto o público abria passagem para um homem negro com as costas envergadas pela idade.

Aos 91 anos, João Grande voltava para a mesma Bahia que o "expulsara" na décadatjsports bets90, quando, incapaztjsports betssobreviver da capoeira ali, seguiu os passostjsports betsJelon Vieira e também se mudou para os Estados Unidos.

Desta vez, porém, ele era a grande estrela do evento - e motivo pelo qual muitos haviam viajadotjsports betsdiferentes partes do país até Salvador. Queriam ver,tjsports betscarne e osso, um personagem que só conheciamtjsports betsfilmes, livros e músicas.

Ao ladotjsports betsalunos estrangeiros, todos fluentestjsports betsportuguês, João Grande deu uma oficina ao grupo. Movia-se com agilidade, indicando com as mãos como os movimentos deveriam ser feitos.

Depois, sentou-se e respondeu com sorrisos e acenos às homenagens dos participantes.

"Parece que estou no céu", ele disse à BBC dias depois, na casa espaçosatjsports betsSalvadortjsports betsque se hospedou durante a estadia.

"Todos me tratam bem aqui, todos me ajudam", afirmou. Um cenário bastante distinto do que ele enfrentara ao longotjsports betsboa partetjsports betssua vida.

Nascidotjsports betsItagi, no interior da Bahia,tjsports bets1933, João Oliveira dos Santos se mudou para Salvador na juventude e trabalhou como empregado domésticotjsports betsuma família.

Em troca dos serviços, não recebia dinheiro, só comida e roupas. Depois, trabalhoutjsports betsum depósitotjsports betscachaça, transportando a bebida "na cabeça, no jegue, entregando nos armazéns".

João Oliveira dos Santos só virou capoeirista depoistjsports betsconhecer Vicente Ferreira Pastinha, o mestre Pastinha (1889-1981), considerado o pai da Capoeira Angola.

Nessa vertente, o jogo costuma ser mais cadenciado e próximo do chão, ao passo que na Capoeira Regional, criada por mestre Bimba (1900-1974), os golpes são normalmente mais rápidos e desferidostjsports betspé.

Mestre Pastinha ensinou capoeira ao jovem itagiense e o escolheu como umtjsports betsseus discípulos ao ladotjsports betsoutro aluno, João Pereira dos Santos (1917-2011). Um virou João Grande, e o outro, João Pequeno.

Na época, João Grande tinhatjsports betsconciliar a capoeira com outras atividades para pagar as contas. Em 1958, ele diz ter passado três meses como operário na construção da rodovia Belém-Brasília.

Em depoimento na tese "Mestre João Grande entre a Bahia a Nova York", com que Maurício Barrostjsports betsCastro obteve o títulotjsports betsDoutortjsports betsHistória pela USP,tjsports bets2007, João Grande conta como praticava capoeira durante a obra.

"Treinava sozinho com as moitas e com os bichos", disse.

A experiência o remeteu à infância na roça,tjsports betsItagi, quando passava horas assistindo às dançastjsports betspeixes e aves. Maravilhado com a capacidade que os bichos tinhamtjsports betsse mover sem jamais tocar uns aos outros, levou isso paratjsports betscapoeira anos depois.

À BBC João Grande filosofa sobre essas conexões. "Capoeira é natureza. Tudo o que nós temos, dado por Deus, sai da capoeira, sai da natureza", afirma.

"Um pétjsports betsmato me ensina a jogar, um bicho ensina como étjsports betsginga", ele diz.

Anos depoistjsports betstrabalhar na construção da rodovia, João Grande acompanhou mestre Pastinha numa viagemtjsports betsgrande simbolismo na história da capoeira.

Nela, brasileiros exibiram a modalidade no Festivaltjsports betsArtes Negrastjsports betsDakar, no Senegal,tjsports bets1966 -tjsports betsviagem citada na música Triste Bahia,tjsports betsCaetano Veloso ("Pastinha já foi à África/pra mostrar capoeira do Brasil").

Também integravam a comitiva brasileira o músico Paulinho da Viola, a ialorixá Olgatjsports betsAlaketu e a cantora Clementinatjsports betsJesus, entre outros artistas afro-brasileiros.

João Grande diz que, na viagem, Pastinha fazia questãotjsports betsdestacar a origem africanatjsports betssua arte. "Ele dizia: 'isto é capoeiratjsports betsvocês (africanos) que agora está com a gente lá, no Brasil'".

Alguns africanos reagiam com surpresa, e outros reconheciam semelhanças entre a capoeira e danças locais, conta João Grande.

Embora haja algumas teorias divergentes, a maioria dos estudiosos da capoeira afirma que a modalidadetjsports betsfato tem raízes africanas.

"Quem inventa a capoeira são os africanos aqui no Brasil: uma mistura étnicatjsports betsdiversos grupos que vão se compor aqui e que vão fazer essa invenção", defende Antonio Liberac, capoeirista e professor titulartjsports betsHistória da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Mas se africanos criaram a capoeira no Brasil, diz Liberac, foram brasileiros descendentestjsports betsafricanos que deram à modalidade a roupagem atual com que ela ganhou o mundo - e entre eles, João Grande.

"É um mestre espetacular, um dos principais responsáveis pela manutenção da tradição dessa capoeira do século 20", diz Liberac.

Para a etnomusicóloga Emília Biancardi, que conviveu com João Grande nas expedições do grupo Viva Bahia nos anos 1970, ele "é um dos únicos que realmente têm ainda uma verdade dentro da tradição que recebeu dos antepassados".

Do postotjsports betsgasolina a Nova York

Mas a fama e o talento como capoeirista não garantiram a João Grande uma vida confortáveltjsports betsSalvador.

As aulas e apresentações rendiam cada vez menos dinheiro, e ele chegou a tertjsports betstrabalhar como lavadortjsports betscarrostjsports betsum postotjsports betsgasolina. Em 1990, depoistjsports betsanostjsports betspenúria, decidiu emigrar para os Estados Unidos

Ao se mudar para Nova York, que já visitara a convite do antigo parceiro Jelon Vieira, João Grande conseguiu viver sótjsports betscapoeira e ganhou um reconhecimento que jamais tinha obtido no Brasil.

Em 2001, ele recebeu da agência do governo americano National Endowment for the Arts o National Heritage Fellowship, descrito pelo órgão como "a mais alta honraria da naçãotjsports betsartes folclóricas e tradicionais".

"Estamos muito felizes e orgulhosostjsports betsque ele faça parte da nossa cultura", disse o apresentador do prêmio antestjsports betsentregá-lo ao capoeirista.

João Grande disse à BBC que, ao se mudar para os EUA, queria evitar um finaltjsports betsvida parecido com otjsports betsseu mentor, mestre Pastinha, mortotjsports bets1981.

Cego, solitário e sem dinheiro, o criador da Capoeira Angola passou seus últimos dias morandotjsports betsfavor num quarto úmido e escuro do Pelourinho.

"Fiquei muito triste por não ter um recurso para ajudar ele", diz João Grande.

'Vaquinha para pagar enterro'

Ao conceber o 5º Rede Capoeira para homenagear os velhos mestres, Jair Oliveira Júnior, o mestre Sabiá, disse que queria estimular uma reflexão sobre como o Brasil trata os pioneiros da modalidade.

Entre os capoeiristas homenageados pelo evento - 14 deles acima dos 80 anos -, vários hoje enfrentam dificuldades financeiras, segundo ele.

"Desde criança eu sempre via todos esses mestrestjsports betssituações extremamente fragilizadas no final do seu ciclotjsports betsvida, e sempre se fazia uma vaquinha para pagar o enterro ou para dar algum tipotjsports betsassistência médica, comprar remédio", ele conta à BBC.

Não por acaso, diz Sabiá, até hoje muitos mestres resolvem sair do Brasil. Segundo o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), hoje maistjsports bets150 países têm grupostjsports betscapoeira, muitos deles liderados por brasileiros.

Em vários desses países, a capoeira também está presentetjsports betsescolas, e universidades convidam mestres brasileiros a lecionartjsports betsuniversidades - status que a modalidade nunca alcançou no Brasil.

Por esses motivos, ao longo do eventotjsports betsSalvador, vários participantes cobraram políticas públicas que amparem os mestres no fimtjsports betssuas vidas e os encorajem a permanecer no Brasil.

"Esses caras não são só mestres, eles são heróis, porque venceram contra tudo e contra todos, e o mínimo que a gente poderia fazer era devolver a dignidade a eles", defende Sabiá.

Políticas para a capoeira?

A BBC questionou a ministra da Cultura, Margareth Menezes, sobre as cobrançastjsports betscapoeiristas por políticas voltadas aos velhos mestres, como uma espécietjsports betsbolsa que os sustente no fim da vida.

Em entrevistatjsports betsseu gabinete,tjsports betsBrasília, a ministra disse considerar a capoeira "um dos grandes legados da cultura brasileira".

Menezes afirmou, no entanto, que "o Ministério da Cultura não tem (a possibilidade)tjsports betsfazer uma ação direta,tjsports betsfazer um tipotjsports betsbonificação".

A solução, segundo ela, seria a aprovaçãotjsports betsum Projetotjsports betsLei que busca a "proteção e promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fazeres das Culturas Populares".

O PL 1176,tjsports bets2011, está tramitando no Congresso e prevê, entre outros pontos, a concessãotjsports betsbolsas e premiações para grandes mestrestjsports betsdiversas tradições populares, entre as quais a capoeira.

"O que nós podemos fazer é buscar com que o Congresso se sensibilize para que essa lei tramite logo", disse a ministra.

Ela afirmou ainda que outro objetivotjsports betssua gestão é fazer com que artes da cultura popular - incluindo a capoeira - sejam ensinadastjsports betsescolas que adotem o ensino integral.

O pleito, segundo Menezes, está sendo tratado com o Ministério da Educação.

Tesouro do Brasil... ou dos EUA?

Por ora, diz o mestre Jelon Vieira, há poucos incentivos para que capoeiristas que encontraram reconhecimento no exterior voltem a morar no Brasil.

Em 2008, sete anos depoistjsports betsJoão Grande ser agraciado com o National Heritage Fellowship, Jelon foi convidado à Casa Branca para receber o mesmo prêmio. Na cerimônia, ouviu que ele era um "tesouro" para a cultura dos EUA.

Jelon descreve o que sentiu naquele instante. "Na minha cabeça veio: 'eu gostariatjsports betsser o tesouro nacional do Brasil', ele conta.

"Afinal, eu me sentia um embaixador cultural, eu estava levando a cultura baiana e brasileira para o mundo", ele diz.

Na célebre Chiclete com Banana, gravada por Jackson do Pandeirotjsports bets1959, os compositores Gordurinha e Almira Castilho prometeram só botar "bebop no meu samba quando Tio Sam tocar um tamborim".

O berimbau, ele já está aprendendo a tocar.