Punição, tragédia ou dom especial? Os mitos sobre a cegueira que reforçamos sem perceber:betboo giriş link
Curiosamente, raramente nos preocupamosbetboo giriş linkperguntar aos cegos se é isso mesmo, diz à BBC News Brasil Selina Mills, autora do livro Life Unseen - A Story of Blindness (em tradução livre, Vida Não Vista - Uma Estória da Cegueira), publicado recentemente.
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Fim do Matérias recomendadas
Nele, Mills, jornalista com baixa visão, mostra como, da mitologia greco-romana à literatura contemporânea, a civilização ocidental vem elaborando e reciclando representações distorcidas da cegueira.
E essas "fantasias", criadas pelos que enxergam, são impostas sobre a população cega, influenciando profundamente suas experiências na educação, no trabalho e na vida cotidiana.
A sociedade tolera atitudes e discursosbetboo giriş linkrelação aos cegos que não seriam aceitos com nenhuma outra minoria, diz Mills.
A mim, jornalista também com baixa visão, o livro parece uma oportunidadebetboo giriş linkdesconstruir versões falaciosas para que a cegueira possa ser reimaginada.
Antesbetboo giriş linkprosseguirmos, duas definições úteis e um alerta.
Vidente, no jargão atual, é a pessoa que enxerga.
Dizemos que uma pessoa tem "baixa visão" quandobetboo giriş linkacuidade visual no melhor olho ébetboo giriş link30% ou menos.
Esta reportagem contém histórias que podem deprimir. Mas não se deixe abater. Elas não nos permitem saber quão ricas e interessantes podem ter sido as vidas da população cega ao longo da História.
Cegueira Venerável? Shanidar 1, o neandertal que enxergava mal
Resultadobetboo giriş linkdez anosbetboo giriş linkpesquisas, o livro Life Unseen - A Story of Blindness traz também ricas crônicas da vida pessoalbetboo giriş linkSelina Mills.
Em uma delas, ela relembra um jantar para ex-alunos da University of Cambridge onde ouviu falar, pela primeira vez,betboo giriş linkum homem “cego” que viveu há dezenasbetboo giriş linkmilharesbetboo giriş linkanos.
Entre um prato e outro, ela escreve, um ex-professor lhe pergunta como estão seus olhos. Ela responde que continua trabalhando como repórter para o jornal The Daily Telegraph e que sim,betboo giriş linkvisão está piorando. Murmúrios e expressõesbetboo giriş linkempatia circulam pela mesa. E um comentário deixa todos intrigados.
“Se você fosse uma neandertal, talvez tivesse sido reverenciada e tratada com grande honra”, declara uma colega arqueóloga. Ela estava falandobetboo giriş linkShanidar 1.
No final da décadabetboo giriş link1950, na caverna Shanidar, situada na fronteira entre Turquia e Iraque, arqueólogos encontraram esqueletosbetboo giriş linkneandertais masculinosbetboo giriş linkcercabetboo giriş link50 mil anos atrás.
Entre as ossadas, uma despertou interesse especial. Batizada Shanidar 1 e apelidadabetboo giriş linkNandy, ela apresentava, no crânio, sinaisbetboo giriş linkuma violenta pancada que teria provocado fortes deformidades na região da bochecha e olho esquerdos.
Embora a arqueóloga presente no jantar e outros especialistas ouvidos por Mills sejam da opiniãobetboo giriş linkque Shanidar 1 era cego, não há consensobetboo giriş linkrelação a isso.
Erik Trinkaus, um paleoantropólogo ouvido pela BBC Brasil, disse que a pancada “teria afetado a coordenação entre os olhos direito e esquerdo, e possivelmente a visão no olho esquerdo”betboo giriş linkShanidar 1.
“Portanto, ele não era cego, mas teria tido dificuldades com (…) percepçãobetboo giriş linkprofundidade”, por exemplo.
Uma séria limitação para um caçador-coletor vivendo no período Pleistoceno, nota o antropólogo.
Um dado surpreendente, no entanto, é que testes baseadosbetboo giriş linkdataçãobetboo giriş linkcarbono indicam que Shanidar 1 viveu até os 45 anosbetboo giriş linkidade, enquanto seus companheiros não teriam sobrevivido além dos 30.
Como explicar a longevidade do neandertal?
Bem, entre as teorias propostas, está aquela sugerida pela arqueóloga durante o jantar. Shanidar 1 teria recebido tratamento especial por partebetboo giriş linkseus contemporâneos videntes.
Mas na faltabetboo giriş linkevidênciasbetboo giriş linkcomo os Neanderthals teriam interagido com Shanidar 1 - por exemplo, indíciosbetboo giriş linkum sepultamento especial para ele, ou desenhos nas paredes da caverna - a escritora propõe outros cenários possíveis.
Quem sabe Nandy era um guloso rabugento que morava pertobetboo giriş linkuma árvore frutífera ebetboo giriş linkum rio que lhe davam sustento? Ou quem sabe a comunidade tinha por costume compartilhar o que caçava ou colhia?
Essa última hipótese é defendida pelo antropólogo Erik Trinkausbetboo giriş linkestudo publicadobetboo giriş link2017.
Ele baseia suas conclusõesbetboo giriş linkanálises que identificaram, nos ouvidosbetboo giriş linkShanidar 1 ebetboo giriş linkalguns contemporâneos, protuberâncias ósseas que teriam prejudicadobetboo giriş linkaudição.
A sobrevivência desses indivíduos, com essa vulnerabilidade, naquele ambiente, seria evidênciabetboo giriş linkuma sociedade baseada na cooperação e suporte mútuos.
A importância dessa história é que ela revela nossos vieses, diz Mills. “Sabemos pouco sobre Nandy. O que me interessa é a forma como interpretamos o pouco que sabemos.”
Bem, o neandertal não pode nos contarbetboo giriş linkversão da história.
No entanto, cegos fictícios dialogam conosco, desde a Antiguidade, por meio das histórias da mitologia greco-romana que teriam sido criadas a partir do século 9 a.C. Essas narrativas “formatam” ainda hoje a maneira como elaboramos o que é ser cego, diz Selina Mills.
Tirésias e Édipo - Cegueira Excepcional ou Trágica
Mills destaca duas poderosas representações mitológicas da cegueira: as figurasbetboo giriş linkÉdipo e Tirésias.
Segundo o mito, Tirésias é pego espiando a deusa Atena durante o banho. Ela, então, lhe tira a visão. Em uma das versões do mito, a mãebetboo giriş linkTirésias, a ninfa Cariclo, implora a Atena que desfaça o encantamento. Atena não pode fazer isso, mas limpa os ouvidosbetboo giriş linkTirésias e dá a ele a habilidadebetboo giriş linkinterpretar o canto dos pássaros - e, por conseguinte, o dom do presságio.
A cegueirabetboo giriş linkTirésias tem conotaçõesbetboo giriş linkexcepcionalidade, diz Mills. “Ele é o mais famoso personagem cego a quem associamos visões, conhecimento profético e sabedoria”.
“Então, existe essa fantasiabetboo giriş linkque as pessoas cegas têm audição melhor, ou podem adivinhar o futuro. É o formato compensação.”
Já o mitobetboo giriş linkÉdipo, prossegue Mills, nos oferece o formato da cegueira como tragédia. A coisa mais terrível que pode acontecer a uma pessoa à exceção da morte. A pior punição que existe - para o pior crime possível.
Segundo a história, desobedecendo conselhos (do cego Tirésias, aliás) para não investigar as causasbetboo giriş linkuma peste que assola a cidadebetboo giriş linkTebas, Édipo descobre ser ele o causador da praga - por ter matado seu pai e dormido combetboo giriş linkmãe.
Em profunda agonia e vergonha, ele decide punir a si mesmo.
Mills transcreve,betboo giriş linkseu livro, a chocante cena da punição incluída na peça “Édipo Rei”, escrita por voltabetboo giriş link400 anos a.C. pelo grego Sófocles.
Nela, Édipo grita (em tradução livre): “Estes olhos jamais verão a luz novamente!” E fura seus próprios olhos, várias vezes, com as pontasbetboo giriş linkdois broches. Uma “tempestade negra” (seu próprio sangue) “se espalha porbetboo giriş linkface”, escreve Sófocles.
Como separar a cegueira real dessas cegueiras míticas? Abetboo giriş linkÉdipo, banhadabetboo giriş linksangue, misturada com morte e incesto? Abetboo giriş linkTirésias, envoltabetboo giriş linkmisticismo, magia e transcendentalidade? Não é tarefa para meros mortais.
Cegueira Maldade ou Espiritualidade e Tratamentos Dolorosos
Fora da mitologia, outras visões da cegueira seguem sendo inventadas e impostas sobre a população cega.
Na Idade Média, conta Selina Mills, acreditava-se que o satanás enxergava mal.
“Então, enxergar mal era um sinalbetboo giriş linkmaldade.”
“Ao mesmo tempo”, prossegue a jornalista, “você talvez fosse uma freira cega e tivesse uma conexão interior com Deus, uma conexão milagrosa. (…)
Temos aqui,betboo giriş linknovo, o formato compensação.”
Durante o Iluminismo europeu, no século 18, a cegueira torna-se algo a ser consertado, diz Mills.
Ela lista vários exemplosbetboo giriş linkexperimentos extremamente dolorosos impostos sobre pacientes cegos para, supostamente, curá-los.
Entre eles, mergulhar a cabeça da pessoabetboo giriş linkágua com vinagre, aplicar sanguessugas ou correntes elétricasbetboo giriş linkseus globos oculares ou ainda engessar a cabeça do paciente durante meses para “desentupir” seus olhos.
Tais “terapias” às vezes tinham consequências graves. O compositor Handel, por exemplo, tevebetboo giriş linkvisão piorada após receber tratamento na Inglaterra. E o compositor Johann Sebastian Bach teria morrido após uma intervenção cirúrgicabetboo giriş linkseus olhos, escreve Mills.
No entanto, recusar os tratamentos “era considerado um fracasso do indivíduobetboo giriş linkseu dever consigo e com a sociedade.”
A 'cegueira maravilhosa'betboo giriş linkHelen Keller
Estamos agora na virada do século 20. As coisas começam a mudar um pouco, diz Mills. Não por acaso, é quando uma mulher cega e surda chamada Helen Keller ganha fama internacional.
Keller foi uma escritora e ativista americana que perdeu a visão e a audição ainda bebê. Superando obstáculos imensos, foi alfabetizada, formou-se na universidade e escreveu vários livros, tornando-se uma referência para pessoas com deficiência.
“Ela escreveu suas memórias, tornou-se o centro da história. Mas estava sempre alegre e animada, e todo mundo sabe que é impossível estarmos alegres e animados o tempo todo”, comenta Mills.
Na opinião da escritora, Keller criou mais um mito - uma nova versão? - para a cegueira.
“Tudo é maravilhoso!”
Mas nem todos têm as oportunidades, os recursos financeiros e a educação que ela teve, lembra Mills.
Ainda no século 20, leis garantindo direitos às pessoas com deficiência são criadasbetboo giriş linkvários países - no caso do Brasil, na Constituiçãobetboo giriş link1988.
A legislação trouxe melhorias, mas para Mills, os formatos viciados usados para pensar a cegueira continuam os mesmos.
E alfinetando a mídia, inclusive a BBC, ela diz:
“Veículos da grande mídia como a BBC continuam falandobetboo giriş linkconsertar. Grandes curas milagrosas, implantes, cirurgias, remédios”, ela opina. “Ou são histórias sobre pessoas cegas escalando o Everest.”
“Por outro lado, se você não pode ser consertado, é representado como um parasita, recebendo dinheiro do governo.”
Cegueira Literária - Saramago, Charles Dickens e Wilkie Collins
Em um capítulobetboo giriş linkLife Unseen Mills explora representações da cegueira na literatura, entre elas, o clássico “Ensaio Sobre a Cegueira”, do Nobelbetboo giriş linkLiteratura José Saramago.
Mills o considera “um escritor maravilhoso”, mas acha que “ele abraçou a noção que os videntes têm da cegueira”.
No livro, uma cidade é assolada por uma epidemiabetboo giriş linkcegueira. A maioria das pessoas fica cega, apenas alguns escapam. O governo decide confinar todos os cegosbetboo giriş linkum lugar e uma mulher que não foi contaminada finge estar cega para poder ficar perto do marido.
“A pessoa vidente é o herói da história”, comenta Mills. “Acho isso frustrante. Ele usou formatos que continuamos (a reproduzir).”
Ela admite, no entanto, que não tem muito a recomendar.
“Não encontrei muitos personagens cegosbetboo giriş linkque tenha gostado na ficção. Que representam a cegueirabetboo giriş linkuma posição neutra”, explica.
“Mesmo os super-heróis cegos - bom, são super-heróis, né?”, ela ri. “Não temos a oportunidadebetboo giriş linkser neutros.”
A exceção é um escritor do século 19 chamado Wilkie Collins. Amigobetboo giriş linkCharles Dickens, ele é autorbetboo giriş linkum romance satírico intitulado “Poor Miss Finch”, publicadobetboo giriş link1872.
Em tradução literal, o título do livro quer dizer “pobre senhorita Finch”. Collins está sendo irônico, porque a personagem principal, Lucília Finch, na verdade é rica. Ou seja, o adjetivo expõe a forma como a sociedade tende a vitimizar quem tem alguma deficiência.
“Enquanto seu amigo Dickens mostra personagens cegos ou deficientes como desesperados e infelizes, Wilkie Collins diz, não, você pode ser uma mulher (cega) independente e com ideias próprias”, diz Mills.
Na história, oferecem a Finch uma cirurgia para curarbetboo giriş linkcegueira, mas ela responde que não. Sua vida é muito boa, obrigada.
Cegueira Incapacidade - 'Coitadinhos! Vamos ensiná-los a fazer cestosbetboo giriş linkvime'
Fazendo pesquisas para seu livro, Mills visita a antiga Iowa Braille and Sight Saving School, uma escola para crianças e (mais tarde) adultos cegos na cidadebetboo giriş linkVinton (Estados Unidos), instituição que deixoubetboo giriş linkoperar como escolabetboo giriş link2011.
Mills não escondebetboo giriş linkdecepção e tristeza após a experiência.
Fundadabetboo giriş link1852 com o objetivobetboo giriş linkoferecer educação e formação profissional para crianças cegas, a escola oferecia cursosbetboo giriş linkcostura, trabalho com miçangas, fabricaçãobetboo giriş linkvassouras, pincéis e cestos, confecçãobetboo giriş linkredes e trabalho com madeira.
“Senti que a escola cheirava não apenas a desinfetante, como também a paternalismo do pior tipo”, escreve Mills.
Primeiro, ela nota, os alunos cegos ficavam isolados do resto da população. As crianças chegavam com seis anosbetboo giriş linkidade e muitas ficavam ali por maisbetboo giriş linkdez anos, sem retornar às suas casas.
“Havia regras para tudo”, escreve Mills.
Como se levantar, como se vestir, como comer, o que aprender. O que ler e quando ler. Regras para “como ser cego.”
Mills descreve uma salabetboo giriş linkexposições com fotografiasbetboo giriş linkcrianças cegas aprendendo a ler Braille. Dos alunos, nada se sabe. Suas vozes estão ausentes, comenta Mills.
Para completar, acimabetboo giriş linkuma foto mostrando mulheres e homens sorridentes segurando pincéis e vassouras, um cartazbetboo giriş linkletras garrafais diz: “Pessoas cegas podem trabalhar - e elas trabalham!”
Implícita nessa história está uma versão da cegueira que, apesar do advento da educação inclusiva e outros avanços, ainda persiste. Nela, subestimando a capacidade intelectual e o potencial da pessoa cega, a sociedade vidente imagina a cegueira como algo profundamente limitante.
Uma das consequências disso é que a cegueira continua sendo, entre as várias deficiências, uma das categorias menos representadas no mercadobetboo giriş linktrabalho.
É inegável, por outro lado, que cegos hoje, ao menosbetboo giriş linkpaíses ricos, têm mais escolhas do que os alunos da escolabetboo giriş linkIowa.
No Reino Unido, por exemplo, não faz muito tempo, um homem cego frequentou o Parlamento acompanhado por seu cão guia e ocupou, no gabinete do governo, os cargosbetboo giriş linkMinistro do Interior e Ministro da Saúde. De origem operária, ele é hoje membro da Câmara dos Lordes. Seu nome é David Blunkett.
Mas o progresso não é linear, diz Selina Mills.
Cegueira 'fake' - Será que é fingimento?
Mills relata,betboo giriş linkseu livro, seu desagradável encontro com um fiscalbetboo giriş linkpassagensbetboo giriş linkuma estaçãobetboo giriş linktrembetboo giriş linkLondres. O caso ilustra uma das versões mais cruéis e injustas da cegueira.
Voltandobetboo giriş linkuma viagem à Escócia, Mills desembarca do trem e segue pela plataforma tocando o chão com a pontabetboo giriş linksua bengala branca. No portãobetboo giriş linksaída, o fiscal pede que ela lhe mostrebetboo giriş linkpassagem e a carteirinhabetboo giriş linkidentificação que garante descontos a pessoas com deficiência.
Depoisbetboo giriş linkmostrar o bilhete, Mills retira o cartãobetboo giriş linkidentificaçãobetboo giriş linksua carteira e o apresenta ao inspetor.
“Como é que você conseguiu isso?”, ele pergunta. “Você enxerga, não?”
Ela tenta explicar. “Num dia bom, tenho 20%betboo giriş linkvisãobetboo giriş linkapenas um olho. Os médicos me testaram.”
“Você pensa que consegue arrumar um cartão desses e enganar todo mundo, mas eu vi você andando na plataforma”, responde o fiscal.
Para a consternação geral da filabetboo giriş linkpassageiros assistindo à cena, Mills arrancabetboo giriş linkprótese ocular (seu olho artificial) e a apresenta, na palma da mão, ao homem.
Como uma pessoa cega ou com baixa visão interpretaria esse incidente? Eis aqui uma possível leitura.
Viajando sozinha, sem pedir ajuda, Mills não evoca a noção da cegueira como tragédia. Não inspira pena nem simpatia no fiscal.
Acostumado a perceber o mundo com os olhos, ele talvez não se dê contabetboo giriş linkque a passageira sente o chão com a ponta da bengala, talvez conheça bem a plataforma, talvez esteja contando o númerobetboo giriş linkpassos do vagão - onde sempre viaja - até o portão. Quem sabe ela sempre guarda seu cartão no mesmo lugar na carteira e por isso consegue achá-lo rapidamente, pelo tato.
O homem também não entende que entre ver e não ver existem múltiplos estágios, e que 20%betboo giriş linkvisão podem fazer enorme diferença.
O fiscal poderia pensar que Mills tem poderes especiais - como na versão excepcional da cegueira - mas acaba optando pela versão “cegueira mentira”.
Falando à BBC News Brasil, Mills comenta o episódio e a forma como lidou com a situação.
“Foi uma reação extrema”, admite. “Na maior parte do tempo, sou muito educada. Tento ser gentil e refletir sobre a situação. Mas nem todo mundo consegue lidar com essas situações o tempo todo, é exaustivo”, desabafa.
Em seu livro, Selina Mills adota um tom bastante crítico - inclusivebetboo giriş linkrelação a pessoas que tentam oferecer a ela uma visão positiva da cegueira. Como no caso, por exemplo, da arqueóloga que lhe contou a história do neandertal Nandy no jantarbetboo giriş linkCambridge.
“Minha irritação não é dirigida a indivíduos. Me irrito com uma sociedade que aceita velhos formatos que não seriam aceitosbetboo giriş linkrelação a outro grupobetboo giriş linkpessoas”, explica. “Se você expressasse ideias racistas ou homofóbicas, por exemplo, tentaríamos mudar a conversa.”
Cegos que deixaram suas marcas - e um inesquecível encontrobetboo giriş linkRoma
O livro Life Unseen pode ser visto como uma tentativabetboo giriş linkfazer exatamente isso - mudar a conversabetboo giriş linkrelação à cegueira.
Ele traz históriasbetboo giriş linkpessoas cegas que deixaram suas marcas.
Como a pianista e compositora austríaca Marie Theresia von Paradis, nascidabetboo giriş link1759. Foi bem sucedida e amiga dos grandes da época, entre eles, o compositor Wolfgang Amadeus Mozart.
Ou a filantropa inglesa Elizabeth Gilbert (1826), que fundou uma fabrica onde apenas pessoas cegas trabalhavam.
Mas quando se tratabetboo giriş linkmudar a conversa, os formatos como nos relacionamos com a cegueira, chama a atenção esse relato pessoal da autora.
“Foi durante minhas últimas semanasbetboo giriş linkRoma que uma aventura na Cidade Santa colocoubetboo giriş linkcheque meus conceitos sobre interpretações binárias da cegueira”, escreve Mills.
Trabalhando como repórter para a agênciabetboo giriş linknotícias Reuters na capital italiana, Mills decide aprender latim e vai estudar com o padre e professor Reginald Foster (o padre Reggie) - que, coincidentemente, era também secretário do papa João Paulo 2.
Reggie apelidou Millsbetboo giriş link“monocular”, ou pessoabetboo giriş linkum olho só. Mas ela não se ofendia.
“Nunca senti que ele me tratavabetboo giriş linkum jeito especial ou estranho por eu não poder enxergar. Acho que ele gostava da minha coragem. E eu acho que ele era corajoso também.”
Como presentebetboo giriş linkdespedida, o padre - com acesso privilegiado a áreas do Vaticano - levou Mills à Biblioteca Apostólica Vaticana e mostrou a ela um manuscrito do século 17 assinado por um advogado italiano cego, Próspero Fagnani.
Famosobetboo giriş linkRoma porbetboo giriş link“visão interior”, Próspero recebera o títulobetboo giriş link"Doctor Caecus Oculatissimus" (em tradução livre do latim, o doutor cego que enxerga muitíssimo).
Anos depois, Mills reflete sobre aquele momento.
“Talvez ele quisesse me dizer, olha, pessoas cegas vêm deixando seus rastros há muito tempo, e podem realizar muitas coisas.”
“Acho que ele estava se deleitando com a ideiabetboo giriş linkque você pode ter visão interior mesmo que não tenha visão exterior.”
Isso nos remete àquela visão da cegueira como algo inspirador - o formato compensação, reconhece Mills.
“Mas foi feitobetboo giriş linkum jeito tão charmoso”, rebate. “Eu não me incomodei.”
A proposta desta reportagem é apontar versões falaciosas da cegueira perpetuadas ao longo da História. Mas não podemos concluí-la sem ao menos tocarbetboo giriş linkuma questão que jamais se esgota. Afinal, o que é a cegueira?
Selina Mills nos oferecebetboo giriş linkversão.
'Simplesmente Não Ver'
Na aberturabetboo giriş linkseu livro, Mills convida o leitor a fechar os olhos e tentar imaginar como é não ver.
“Cegueira não é escuridão”, ela diz à BBC News Brasil. “Cegueira não é clara nem escura. É simplesmente não ver.”
E o que ela diria sobre as visões surpreendentes da cegueira oferecidas por pessoas como o neurologista Oliver Sacks ou a escritora Georgina Kleege?
Autorbetboo giriş linkbestsellers como O Homem que Confundiubetboo giriş linkMulher com um Chapéu e Um Antropólogobetboo giriş linkMarte, o britânico Oliver Sacks falou à BBC News Brasil poucos meses antesbetboo giriş linkmorrer, betboo giriş link2015. Como médico ebetboo giriş linkseus livros, mostrava-se maravilhado com a forma como, na ausênciabetboo giriş linkum sentido - a visão, por exemplo - seres humanos tendem a se adaptar, encontrando maneiras singularesbetboo giriş linkexistir no mundo.
A americana Kleege, escritora e ex-professorabetboo giriş linkEstudos da Deficiência na University of Berkeley (Estados Unidos), propõe que a humanidade vidente, acostumada a entender a realidade por meio da visão, tem muito a aprender com as pessoas cegas. Falando à BBCbetboo giriş link2015, ela sugeriu: “Se você quiser resolver um problema, pergunte a uma pessoa cega.”
Devemos celebrar a diversidadebetboo giriş linkrespostas que você pode encontrar quando uma porta da percepção - a visão - está ausentebetboo giriş linkum ser humano? - pergunto a Mills.
“Com certeza. (As escritoras) Georgina Kleege e Hannah Thompson chamam issobetboo giriş link‘blind advantage’ (em tradução livre, vantagem da cegueira)”, responde Mills.
“É uma experiência diferente do mundo, é única, um verdadeiro tesouro.”
“Mas acho importante termos cuidado para não cairmos nos formatos binários, ‘terrível ou maravilhoso’. Você pode celebrar, mas tem um montebetboo giriş linkgente que quer simplesmente seguir vivendobetboo giriş linkvida.”